O Evangelho deste Trigésimo Primeiro Domingo do Ano Litúrgico conta-nos o episódio de Zaqueu. Este encontro é um daqueles que deixam bem patente e claro a interacção do humano com o divino na existência do homem ou da mulher neste mundo, mas, particularmente, quando tocados ou desafiados pela presença de Deus. Toda experiência espiritual ou religiosa implica sempre a acção de Deus e a participação do ser humano.
Nesse sentido, na narrativa evangélica pode ler-se: «Um homem rico chamado Zaqueu… procurava ver quem era Jesus» Por outro lado, continua o mesmo texto sagrado dizendo que, «quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: ‘Zaqueu, desce depressa, que Eu, hoje, devo ficar em tua casa». Como que Jesus e Zaqueu sentíssem um movimento do mais profundo do ser de cada um para buscar o outro: «Zaqueu procurava ver; Jesus… devo ficar em tua casa…»
Que Deus nos criou, que nos conhece até ao mais ínfimo pormenor, que continuamente nos acompanha, é uma constante do Antigo Testamento. Que Jesus Cristo, nosso Deus, nos deseja, nos quer, nos ama intensamente ao ponto de morrer por nós na Cruz constitui uma verdade inabalável, de que não há que duvidar. A questão não está em Deus, mas, sim, no ser humano e, concretamente, na sua resposta. No caso de Zaqueu, apesar de pequeno e ignorante, mas desejoso de conhecer Jesus, avança destemido e sem vergonha e, acima de tudo, põe os meios capazes de o ajudar a conseguir «ver quem era Jesus». Assim, «porque era de pequena estatura correu mais à frente e subiu a um sicómoro». A participação nossa, na procura de Deus ou na maior intimidade com Ele, é fundamental e imprescindível.
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Agora, um outro aspecto e de uma outra perspectiva na compreensão da presença íntima de Deus nas nossas vidas. Como se, desta vez, o divino viesse ao encontro do humano. É o próprio Jesus que nos faz compreender esta dimensão. Jesus aproxima-se de todos quantos o procuram, segundo as características da personalidade ou do temperamento de cada um. É a delicadeza de Deus.
Ele é o Mestre Divino, conhece os seus. Como o Senhor trata cada um como ele ou ela é! Neste contexto, sinto gosto em olhar para Jesus a escolher os seus futuros apóstolos: com Pedro, o líder, por exemplo, revela-se exigente e rigoroso. Passa-o mesmo por um longo escrutínio na maturação da sua vocação. A princípio, é um simples ‘vem e vê’. Despois, questiona as razões do seu seguimento: “Que dizes tu que Eu sou?’ Tu conheces-me verdadeiramente?”. Na ocasião, Jesus até o chamou Satanás, tais eram os disparates que dizia. Por fim, avança mais afectuosamente: ‘Tu amas-me?’
Mas neste trato personalizado de Jesus, faz-nos sorrir a maneira como o Senhor trata Filipe, o intuitivo, e Natanael ou Bartolomeu, o racional. O primeiro é chamado e salta logo atrás do Senhor. Sente-se bem, e imediatamente, sem pensar muito, reage. Ao segundo, à maneira do racional, o Mestre responde, calmamente, ao seu Como? Quando? Tantas perguntas!
Finalmente, não podemos esquecer a fineza do Senhor com aquela mulher, tímida, que, às escondidas, quer tocar-lhe no manto. Cura-a, mas ajuda-a também a ter confiança em si mesma e a enfrentar a multidão.
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Ainda podemos perceber um outro nível da relação do Divino com o humano. Quanto é proclamado, vezes sem conta, nos escritos da Bíblia e recitado nas orações do povo hebreu que Deus, o Senhor de Israel, escuta ‘o clamor dos pobres’, ‘o lamento do aflito.’
Tomemos, asgora, e meditemos mais profundamente o Novo Testamento. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, encarna, pela Sua morte na Cruz, a dor dilacerante da Angústia que, de muitas e variadas maneiras, termina com a morte do ser humano. Contudo, Ele, o Filho de Deus Ressuscitado, no Seu corpo glorioso, liberta tudo e todos dos ‘grilhões da morte e do Mal’. O Deus de Bondade e de Misericórdia, revelado em Jesus Cristo, escuta e entende ‘os gemidos’ mesmo os mais imperceptíveis do ‘coração humano’.
Luís Sequeira. Sacerdote e antigo superior da Companhia de Jesus em Macau. Escreve neste espaço às sextas-feiras.