Há cerca de 2500 anos um guerreiro e filósofo chinês, Sun Tzu, tornou-se um mestre da estratégia e sintetizou a essência da sua filosofia num livro chamado “A Arte da guerra”. A sua influência estendeu-se até aos dias de hoje, não apenas na área militar, mas também na económica e na política. Há algo central na reflexão teórica de Sun Tzu: vencer mantendo intactos os recursos e os objectivos. Esse é o primeiro de seis princípios universais que, quando utilizados em conjunto, representam a mais poderosa estratégia já enunciada para vencer conflitos. Ganhar tudo, conseguir vantagem, secretismo, energia, equilibrar forças e fraquezas e ter o poder da iniciativa são verdadeiros círculos concêntricos que, em conjunto, garantem a vitória. Ler hoje Sun Tzu continua a ser um prazer. Porque este livro não é apenas um manual estratégico: é uma forma de vida.
Estes princípios combinados são a essência de uma filosofia que não pode ser dissociada do mundo taoista em que viveu. No fundo, o que Sun Tzu propõe é saber vencer sem termos necessidade de combater. É isso que permite combinar a força militar com o Tao Te Ching. Se no Ocidente, Clausewitz via na destruição do adversário o elemento determinante da guerra, Sun Tzu dá muito mais importância ao engano e à guerra secreta. “A vitória e a derrota são aparentes”, escreve logo no primeiro capítulo. Contra a visão de antagonismo da guerra clássica, Sun Tzu alinha um outro nível de pensamento que ultrapassa o puro duelo entre dois contendores. O futuro da guerra deve ser vista para lá da sua manifestação bélica. O general chinês é um firme defensor da mobilidade, da versatilidade e das escolhas estratégicas. A guerra joga-se com imagens e isso foi visível durante as guerras do Golfo e na cada vez maior utilização dos “drones” nas campanhas do Afeganistão.
É a surpresa que Sun Tzu elogia como factor determinante da arte da guerra. É o inesperado que funciona como elemento que todos os equilíbrios. Sendo isso o epicentro destes princípios entende-se melhor como esta obra sobreviveu ao tempo. E não esquece a economia: como general sabe que uma guerra custa muito aos cofres do Estado e, claro, aos cidadãos. Por isso mesmo, para Sun Tzu, qualquer conflito deve ser resolvido de forma rápida e eficiente. Quando não é assim os danos acumulam-se.
Quando se lê Sun Tzu não podemos deixar de pensar em Maquiavel. Os seus universos, parecendo opostos, cruzam-se. O general chinês tem a noção da necessidade da política no enorme jogo da guerra. Maquiavel parte do mundo político para entender o jogo da guerra. Mas há algo em que ambos estão de acordo: a dissimulação é um elemento determinante na forma como se defronta o inimigo. Há outro elemento que é comum a Sun Tzu e a Maquiavel: o peso das informações seguras sobre o inimigo. A guerra secreta tem um valor fulcral. Em ambos os fins justificam os meios, mas Sun Tzu tem de ter mais cuidado em dissimular isso, porque os códigos morais da China na época eram muito estritos. O conceito determinante é o Taoísmo. Aquele que ensina: “Quando todos reconhecem o bom como bom, isso em si mesmo é mau”. Ora a arte da guerra é necessariamente o lado mau da vida. Mas utilizando a lógica dos opostos, Sun Tzu pode argumentar que o mal é o bem. E daí parte para o princípio de que o exército deve aparentar ser o contrário do que é. Deve parecer que está inactivo para ser activo. Não tem uma estratégia: destrói a daquele que se lhe opõe.
“A Arte da Guerra” é o livro que, por excelência e através de metáforas perfeitas, nos mostra como quem quer vencer tem de ter o domínio total dos elementos envolvidos. É isso que torna um general superior. Ou um político, ou um gestor. Numa época em que, mais ou menos disfarçados, voltamos a escutar os tambores da guerra, Sun Tzu soa actual como se tivesse sido escrito agora.
Fernando Sobral, escritor e jornalista. Autor de “O Segredo do Hidroavião” e “As Jóias de Goa”. Escreve neste espaço uma vez por mês.