Para a crónica desta semana selecionei algumas novidades vindas do mundo da investigação dos fungos. Estamos sempre a investigar e a descobrir mais e mais. Umas vezes a investigação científica proporciona-nos boas notícias, outras vezes nem tanto…
Da orelha
Nos últimos anos, temos assistido ao aparecimento de cada vez mais infecções causadas por um fungo chamado Candida auris e considerado por muitos como um superfungo. Este fungo, descrito como uma nova espécie de levedura em 2009, começou a ter visibilidade por ser responsável por vários surtos de infeções em ambiente hospitalar. É um fungo patogénico (que causa doença) e muito infeccioso para os seres humanos, considerado como emergente. Um dos problemas associados a este fungo, é que ele sobrevive fora do organismo humano, sendo difícil de o remover uma vez presente em certos ambientes, como é o caso dos hospitais. Devido à sua rápida disseminação e à elevada taxa de resistência aos antifúngicos existentes, as infeções que causa são difíceis de tratar e são muitas vezes fatais, principalmente para pacientes que se encontrem debilitados.
Esta espécie foi inicialmente descoberta no Japão, onde foi isolada da orelha de um paciente. Desde então, e até há bem pouco tempo, este fungo era sempre detectado apenas em ambientes hospitalares. Incrivelmente, este fungo foi agora descoberto em amostras ambientais de solo e água de pântanos costeiros ou mangais das Ilhas Andaman, na Índia. Esta é uma descoberta muito importante. Saber que este fungo existe longe dos seres humanos, prova que na verdade se trata de um fungo ambiental, que muito provavelmente já existia noutros locais antes de começar a ser detectado em infeções humanas. Isto implica que esta espécie, ao entrar em contacto com humanos, se adaptou demasiado bem a viver em nós.
Dos vários estudos feitos desde a sua descoberta, sabe-se que este fungo prefere temperaturas mais elevadas e que se adapta bem ao aumento quer de temperatura quer de salinidade. E, tendo em conta o aumento da frequência com que é encontrado e o facto de actualmente as temperaturas do nosso planeta serem de forma geral mais elevadas, conseguimos inferir que um dos principais factores que tem vindo a proporcionar um melhor estilo de vida para este perigoso fungo e uma maior proliferação, são as alterações climáticas.
Na Terra e no espaço
As mudanças climáticas vêm potenciar a capacidade de muitos microorganismos se tornarem perigosos e patogénicos. Os microorganismos, quando expostos a condições de stress desenvolvem variadas estratégias para lidar com as alterações a que são sujeitos. Uns entram em estados de dormência, em que ficam até que as condições ambientais onde se encontram lhes sejam mais favoráveis. Outros começam a produzir substâncias que tanto podem ser produtos dos quais podemos tirar partido (por exemplo, antibióticos ou outros medicamentos), como substâncias tóxicas e perigosas para nós (por exemplo, micotoxinas produzidas por alguns fungos). Outros ainda, começam a crescer de forma diferente, com estruturas morfológicas alteradas, ou com maiores taxas de crescimento. Infelizmente, muitas destas adaptações podem gerar mais casos como o da Candida auris, e levar microorganismos normalmente inofensivos a criar estratégias de infeção e a tornarem-se novos agentes patogénicos.
Estes perigos não existem apenas no nosso planeta. Existem também fora dele. Com o aumento do foco na exploração espacial e o aumento de missões, principalmente de longo prazo, torna-se muito importante perceber como é que os microorganismos nos podem afectar durante as nossas incursões fora da Terra. Assim como se adaptam a novas condições climáticas, os microorganismos também se adaptam a condições de microgravidade, temperaturas extremas, diferentes pressões, elevada radiação, como o que acontece na estação espacial internacional (ISS), e como poderá acontecer em locais que ainda não tenhamos explorado.
Actualmente, a maioria dos estudos são realizados com base na exposição de microorganismos, dos mais variados tipos, ao ambiente existente no interior e no exterior da ISS. Muitos dos microorganismos mostram crescimento maior e mais rápido uma vez na ISS, o que os poderá tornar mais perigosos para nós. O risco é ainda maior visto que, em missões espaciais, o sistema imunitário dos astronautas fica debilitado e enfraquecido, facilitando potenciais infecções. Se tivermos em conta que em missões longas, e a grandes distâncias da Terra, o acesso a stocks de medicamentos se encontra bastante limitado, poderemos vir a ter graves problemas. Mais ainda, outra característica preocupante que se tem observado, na ISS e em experiências feitas na Terra em que simulam as condições do espaço, é a aquisição de resistência aos medicamentos que temos disponíveis. Como a velocidade de descoberta de novos medicamentos é muito inferior à velocidade de adaptação do microorganismos, a humanidade corre riscos de ter que enfrentar duras batalhas contra estes seres microscópicos.
Sementes do amanhã
Recentemente, um grupo de investigadores resolveu analisar o conteúdo de um dos maiores repositórios de sementes do mundo, o Millennium Seed Bank (localizado em Sussex, no Reino Unido). Estes investigadores passaram meses a crescer fungos das sementes armazenadas e encontraram centenas “escondidos” dentro das sementes.
Muitos destes fungos são espécies novas, ainda não conhecidas pelos cientistas, e muitas destas espécies são potenciais fontes de novos medicamentos. Várias delas poderão causar doenças, principalmente em plantas (uma vez que foram isolados de sementes), mas muitos outros poderão ter características benéficas que talvez possamos explorar em nosso benefício. Considerando que se estima que existam milhões de espécies de fungos na Terra que ainda não foram descobertos, sendo apenas conhecidos menos de 10% da totalidade, esta boa notícia é apenas uma gotinha de água no vasto oceano do conhecimento.
Quanto mais estudarmos, conhecermos e entendermos, melhores serão as nossas hipóteses de sucesso de uma longa e saudável existência na Terra e de longas explorações no espaço. É por isso muito importante entender como se adaptam os microorganismos a ambientes fora do comum, com gradientes ou variações constantes de parâmetros como salinidade, temperatura, humidade… ou ambientes extremos, onde por muito tempo se pensava não existir qualquer vestígio de vida, e ainda em ambientes aos quais nunca foram antes expostos, como o espaço. É preciso também ter em conta que somos grandes contribuintes para as alterações climáticas, e que estamos a ser parcialmente responsáveis pela oportunidade perfeita para o aparecimento e desenvolvimento de novos microorganismos patogénicos e de novas doenças.
Mais e mais, sempre, por contar.
Marta Filipa Simões
Cientista