A detenção de 12 pessoas de Hong Kong numa lancha pela guarda costeira da China continental a 26 de Agosto deixou em evidência não só as dificuldades de alguns activistas de Hong Kong em conseguirem a fuga da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) para Taiwan, mas também a resposta cautelosa do governo de Taiwan.
A polícia marítima chinesa continental revelou que às 9 horas da manhã de 23 de Agosto, um dos seus navios patrulha interceptou uma lancha que transportava 12 pessoas de Hong Kong, incluindo Andy Li e outros onze jovens que tentaram ser levados ilegalmente para longe da RAEHK. Os meios de comunicação de Hong Kong noticiaram que os 12 jovens, incluindo onze homens e uma mulher, eram activistas que tinham sido antes detidos pela polícia pelo seu envolvimento no movimento anti-extradição de 2019. Foram agora detidos pela polícia marítima do continente a 78 quilómetros da ilha de Hong Kong e a 600 quilómetros de Taiwan.
Aparentemente, estes jovens fugiram de Hong Kong para tentarem escapar à implementação da lei de segurança nacional, que foi promulgada pelo Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo a 30 de Junho de 2020. Para eles, Taiwan representava um destino “livre” e “democrático”.
Andy Li fora anteriormente acusado de violar a nova lei de segurança nacional e libertado sob fiança. Em Novembro de 2019, de acordo com relatórios de Hong Kong, terá feito lobby junto de alguns políticos estrangeiros para visitarem Hong Kong e observarem a sua evolução política. Dos outros onze jovens detidos, dois eram suspeitos de fabrico de explosivos; quatro eram suspeitos de terem cometido fogo posto; dois ainda eram acusados de motim; e três outros eram acusados de causarem danos corporais. Dos 12 activistas detidos, oito deles não estavam autorizados a sair de Hong Kong. Um deles não compareceu a julgamento em tribunal e sobre si pendia um mandado de captura.
A reacção do Conselho de Assuntos do Interior do governo de Taiwan foi cautelosa. O seu vice-ministro Chiu Chui-cheng observou que, se a população de Hong Kong e Macau quiser a ajuda de Taiwan por motivos políticos, deverá seguir o mecanismo existente ao abrigo da lei que rege as relações com Hong Kong e Macau. Acrescentou que os residentes de Hong Kong deverão seguir os canais legais se desejarem mudar-se para Taiwan.
Numa altura em que o continente tem conduzido frequentemente exercícios militares, e quando o Presidente de Taiwan Tsai Ing-wen disse explicitamente a 27 de Agosto que está preocupado com quaisquer incidentes militares entre Taiwan e Pequim, Taipé não quis antagonizar a liderança chinesa continental apoiando abertamente os dissidentes de Hong Kong que fugiram ou tentaram fugir para Taiwan.
O artigo 18 da Lei que rege as relações com Hong Kong e Macau estabelece que, “se os residentes de Hong Kong ou Macau puderem ter a sua segurança e liberdade ameaçadas urgentemente por razões políticas, poderão receber a ajuda necessária”. Esta estipulação permite algum espaço de manobra ao governo de Taiwan no tratamento dado aos dissidentes políticos de Hong Kong.
A tentativa de fuga falhada dos 12 jovens de Hong Kong deveu-se à intercepção da sua lancha pela polícia marítima do continente, na manhã de 23 de Agosto. Em resultado disso, uma organização de Taiwan que os assistia perdeu o contacto com a mesma lancha às 22 horas na noite de 23 de Agosto.
Segundo consta, havia três rotas marítimas para os activistas de protesto de Hong Kong fugirem para Taiwan. Primeiro, podiam utilizar lanchas rápidas para irem directamente de Sai Kung até Kaohsiung. Em segundo lugar, podiam utilizar lanchas rápidas para se dirigirem a regiões costeiras da China continental, onde mudariam para transporte terrestre a fim de chegarem a Xiamen, em Fujian. De Xiamen, poderiam ser contrabandeados para Kinmen – uma rota que combina rotas marítimas e terrestres, com enormes riscos. Em terceiro lugar, poderiam ir para a ilha de Dongsha em Taiwan, situada a cerca de 300 quilómetros de Hong Kong, e daí ser transferidos para Pingtung, em Taiwan.
Foi antes noticiado que, em Julho, dois grupos de activistas conseguiram escapar de Hong Kong para Taiwan, um através da rota marítima para Kaohsiung e o outro usando a rota para Pingtung. O primeiro grupo era composto por cerca de uma dezena de activistas, que conseguiram chegar a Kaohsiung. Um outro grupo era composto por cinco activistas, cuja lancha acabou por ficar sem gasolina e foi desviada para Dongsha, onde a administração da guarda costeira de Taiwan os recolheu.
A passagem marítima de Hong Kong para Pingtung foi o caminho escolhido pelo cabeça de cobra (nome dado aos contrabandistas envolvidos em operações de imigração ilegal) que lidava com os 12 manifestantes agora detidos; a sua lancha foi interceptada pela polícia marítima continental, em boa parte devido ao reforço do patrulhamento resultante das relações militares tensas entre a China continental e Taiwan. Talvez os activistas de Hong Kong detidos tenham escolhido um mau momento para fugir de Hong Kong para Taiwan – revelou-se “uma ponte demasiado distante” para eles. Com a promulgação da lei de segurança nacional para Hong Kong, as forças policiais na RAEHK e no continente aumentaram a sua vigilância e as patrulhas navais para evitar que activistas sejam contrabandeados para Taiwan.
Desde Junho de 2019, pelo menos 200 activistas de Hong Kong refugiaram-se em Taiwan. Alguns deles sentem saudades de Hong Kong. Mas outros estão a adaptar-se gradualmente à vida em Taiwan. E a maioria tem sido assistida por activistas religiosos e de direitos humanos de Taiwan, que são solidários com a sua situação difícil.
Lam Wing-kee, que era proprietário da Livraria Causeway Bay em Hong Kong e que foi “enviado” de Shenzhen para a província de Zhejiang em Outubro de 2015 no âmbito de uma investigação sobre livros politicamente sensíveis publicados pela sua empresa, decidiu migrar para Taiwan em Abril de 2019, antecipando já a introdução da lei de extradição na RAEHK. Reabriu, entretanto, a Livraria Causeway Bay em Taipé. O seu exemplo talvez tenha encorajado alguns jovens dissidentes de Hong Kong a escaparem também para Taiwan.
Advogados envolvidos no caso disseram que os doze jovens agora detidos em Shenzhen serão julgados no continente, onde podem enfrentar penas de prisão por passagem ilegal da fronteira. Se condenados, só serão reenviados para Hong Kong depois de cumprirem as suas penas na China continental. A sua detenção revela os enormes riscos subjacentes à rota marítima de fuga de Hong Kong para Taiwan – uma operação de contrabando ilegal que, de acordo com notícias recentes, pode envolver pagamentos de dezenas de milhares ou mesmo 500 mil ou 1 milhão de dólares de Hong Kong, dados os perigos associados a este tipo de empreendimento.
A resposta cautelosa do governo de Taiwan, liderado pelo Partido Democrático Progressista (DPP), terá porventura ilustrado o seu actual dilema. Recentemente, o ex-Presidente, Ma Ying-jeou, do Kuomintang (KMT) criticou a liderança do DPP não só por não reconhecer o consenso de 1992 entre a República Popular da China (RPC) e a República da China (ROC) sobre Taiwan, mas também por colocar as relações Pequim-Taipé numa atmosfera militarmente tensa. Ma avisou que qualquer ataque militar continental a Taiwan seria provavelmente “o primeiro e o último”. As elites pró-PDPP criticaram as observações de Ma, classificando-as de “antipatrióticas”.
O súbito ressurgimento de Ma põe em evidências as rivalidades entre facções no seio do KMT, que tem sofrido com o afastamento do antigo presidente da câmara de Kaohsiung, Han Kuo-yu, e com a pesada derrota sofrida pelo seu candidato seguinte, Jane Lee, face ao candidato do DPP, Chen Chi-mai, nas eleições parciais de 15 de Agosto. O mau desempenho eleitoral de Jane Lee é testemunho da fraca liderança do KMT e parece estar a levar a velha guarda a tentar a redenção política do ex-Presidente Ma Ying-jeou.
Hipoteticamente falando, se o KMT estivesse hoje no poder em Taiwan, o seu tratamento dos dissidentes políticos de Hong Kong poderia ter sido bastante diferente das cautelas e da falta de jeito reveladas pelo DPP. O KMT poderia ter feito uso dos dissidentes de Hong Kong como moeda de troca potencialmente valiosa para negociar com o Partido Comunista Chinês (PCC) em quaisquer discussões sobre as futuras relações entre Taipé e Pequim.
Os decisores políticos da RPC, na sua abordagem dura às questões de Hong Kong, poderão não ter calculado inteiramente que, se o KMT puder um dia voltar ao poder nas eleições presidenciais de Taiwan, provavelmente utilizará a situação dos dissidentes de Hong Kong em Taiwan como moeda de troca para obter algumas concessões do PCC.
Rejeitando o consenso de 1992 em que tanto o PCC como o KMT reconheceram que existe apenas uma China, embora deixando a definição de uma China para interpretações diferentes de ambos os lados, o DPP é ironicamente prejudicado pela sua oposição tanto ao PCC como à própria RPC. Talvez por isso, a resposta relativamente fraca do DPP à fuga dos activistas de Hong Kong para Taiwan acaba por ser compreensível.
Em suma, desde os protestos de 2019 na RAEHK, a fuga de dissidentes políticos de Hong Kong para Taiwan tornou-se um marco nas relações Hong Kong-Taipé. A resposta do regime do DPP em Taiwan continua aparentemente cautelosa e substancialmente fraca, e a recente fuga falhada dos doze activistas torna claro que Taiwan é hoje um destino demasiado distante para os dissidentes de Hong Kong, ao mesmo tempo que revela as profundas clivagens políticas internas em Taiwan e o crescente antagonismo entre o Partido Comunista chinês e o partido no poder em Taipé.
Sonny Lo Shiu Hing
Autor e Professor de Ciência Política
Este artigo foi publicado originalmente em inglês na Macau News Agency/MNA.