Hélder Beja
Há dias, o humorista Pedro Vieira escrevia: “Fui baptizado na Sé de Braga, desfilei numa semana santa vestido de Jesus, despistei-me de bicicleta depois de avistar uma procissão, dias depois de completar 38 anos. Sim, sou um ser eminentemente religioso”. A minha relação com a religião anda perto disto. Também fui baptizado (e até fiz a comunhão), também participei e carreguei andores em procissões lá da terra ainda hoje documentadas fotograficamente, também andei por Braga e pelos caminhos da Sé. Os meus pais, que não usam símbolos religiosos, nunca rezam nem vão à missa, acharam por bem espetar-me com o catolicismo, a missa e a catequese. Cheguei a ler na igreja, talvez tenha cantado “santo, santo, santo é o senhor”. Que Deus me perdoe.
Com os anos e a adolescência, afastei-me daquilo tudo e do padre de então, que sempre me pareceu um valente malandro – e isto está longe de ser uma generalização. A igreja católica parecia-me obsoleta, tudo muito retrógrado e, pior, tudo uma grande farsa.
Agora, que a adolescência já vai longe e que a idade adulta está consumada e estabelecida, a maior parte das minhas opiniões mantém-se, mas o modo como olho para a igreja e a religião vai-se alterando. Tenho hoje uma certeza relativa, alimentada por tudo quando fui atravessando e vendo ao longo dos anos: pior que acreditar em Deus é não acreditar em nada. A reflexão, a paz e, vá lá, meia dúzia de princípios que a religião católica tenta inculcar não são maus de todo. Não é fácil de discordar de coisas como ‘não matarás’ ou ‘não roubarás’. Quem escreveu o decálogo sabia o que estava a fazer.
Tudo isto não turva a minha firme crença num Estado laico e numa sociedade limpa de obrigações religiosas. Macau é uma cidade vastamente laica e tolerante face a todos os credos, e isso é de enaltecer.
Por estes dias, a religião e a diocese voltaram a ser notícia devido ao projecto do mosteiro que a congregação religiosa conhecida como Ordem Trapista gostaria de construir em Coloane. O projecto foi apresentado em audiência pública, está sujeito a consulta da população até 14 de Setembro e alguns moradores da ilha já manifestaram o seu desagrado quanto à possibilidade de o mosteiro trapista avançar.
Os moradores de Ka Ho e arredores, muitos deles enredados em disputas de terras que envolvem escrituras de papel de seda, os ‘sá-chi-kai’; outros com cinzas volantes, depósitos de combustível e outras infra-estruturas simpáticas como vizinhas, estão no seu direito de não gostar da ideia. Lamentam-se os argumentos relacionados com a nacionalidade (indonésia) da maior parte das irmãs da congregação e lamenta-se que os deputados Au Kam San e Kwan Tsui Hang decidam alinhar neste discurso. Mas o que é realmente lamentável é perceber nas declarações do director das Obras Públicas, Jaime Carion, que a decisão de não aprovar o projecto do mosteiro pode já estar tomada.
Tortuosos são os caminhos das consultas públicas do território e Carion, sem precisar de fazê-lo, já veio dizer que o Governo “está lado a lado com a população”. É bom saber que, aconteça o que acontecer, o Executivo já sabe que estará concertado com a vontade popular nas decisões que gerem a cidade.
O mosteiro trapista parece não ter bênção. Se o projecto for aprovado, eu começarei a acreditar em milagres.