[FELIZES SEREIS…]
Luís Sequeira
Neste próximo Domingo, o primeiro de Novembro, celebra-se na Liturgia a Festividade de Todos os Santos. O Evangelho é, no entanto, um daqueles que mais desafia a inteligência e a sensibilidade humanas, particularmente, se permanecemos ligados apenas à realidade mais imediata – física e terrena – do nosso ser, do nosso existir e sentir. O tão conhecido Evangelho das Bem-aventuranças, torna-se, de facto, num primero momento, paradoxal e, quase diria, incompreensível, quando proclama: «Felizes os que têm fome, os que choram, os que são perseguidos». Pode levar-nos mesmo a exclamar da mesma maneira de São Paulo, perante as reacções dos primeiros cristãos ao anúncio da « sabedoria da Cruz, a sabedoria de Cristo Crucificado». Ele reconhecia que tudo mais parecia transformar-se em «escândalo para os judeus e loucura para os gentios».
O contraste é abismal. O texto evangélico, por um lado, apresenta-nos situações de fragilidade extrema e radical, direi, como que as misérias humanas. Por outro, promete a experiência sublime de Deus. « Felizes sereis…»
Tem isto algum sentido!?
É exactamente aí, na aparente contradição das duas realidades que se encontra a chave de leitura das palavras de Jesus Cristo. Ele, o Senhor, num primeiro grande momento, assume não só, pela Sua Incarnação, no seu próprio corpo, a nossa natureza humana, mas também, pela Sua Paixão e Morte, carrega todas as nossas dores, fraquezas e faltas, consequência do Mal que entrou na história da humanidade. Ele, o Senhor, num segundo e extraordinário momento, pela Sua Ressurreição, vence total e implacavelmente a Morte e o Mal, restaurando a humanidade à sua beleza primitiva, comunidade de seres criados «à imagem e semelhança de Deus,» de verdadeiros «filhos de Deus.»
Ele experimentou, assim , na sua própria carne, a angústia daqueles que são «os pobres, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os que sofrem perseguição, os que são insultados, perseguidos, caluniados» e a todos promete a libertação. Nenhuma situação, por mais terrível que seja, é capaz de escapar ao poder da Sua graça libertadora ou de impedir quem quer que seja de chegar à felicidade ou, finalmente de impossibilitar qualquer ser humano de entrar, de novo, na intimidade da vida divina.
Continuando a meditação do texto das Bem-aventuranças, com São Mateus, deparamo-nos também com a descrição de uma série de atitudes íntimas que nos levam a tocar as camadas mais profundas do nosso ser e a experimentar aí, consequentemente, a aspiração a novos horizontes de liberdade e perfeição. O Espírito das Bem-aventuranças, portanto, não nos leva apenas a ultrapassar as situações humanas e sociais de carência, de violência, de perseguição. Ele convida-nos também e acima de tudo a prestar atenção às atitudes íntimas, no segredo do nosso coração, onde ninguém consegue ver, apenas Deus. Pede-nos para sermos mais refinados, espiritualmente falando, com maior sentindo de transcendência. Ser como « os pobres em espírito» desprendidos, livres de apegos desordenados e obsessivos. Ser como « os humildes» sem andar à busca de fama e glória, nem querer obstinadamente ser o primeiro, ser o maior. Ser como «os misericordiosos» e não ter sede do poder e desejar compulsivamente dominar os outros. Ser como « os puros de coração» de coração livre, transparente, sem esquemas, maquinações ou chantagens e, por fim, ser como «os pacíficos, que promovem a paz,» e não andar, continuamente, a aproveitar-se das situações e dos outros, sempre quesilento e a criar a divisão.
O Senhor Jesus que se apresenta como Caminho, Verdade e Vida, ao proclamar « As Bem-aventuranças», promete frutos, já neste mundo e afirma ainda que nos espera um outro cuja existência está «para além da nossa imaginação»,«que nem ouvidos ouviram, nem olhos viram». É a Felicidade Eterna!
Deste modo se expressa o Mestre, quanto à realidade da nossa existência neste mundo que é o nosso: «Os humildes possuirão a terra. Os que choram, serão consolados. Os que têm fome e sede de justiça, serão saciados. Os que são misericordiosos, alcançarão misericórdia. Os puros de coração, verão a Deus. Os pacíficos, os que promovem a paz, serão chamados filhos de Deus».
Quanto ao mundo futuro, à eternidade que nos espera, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, revela-nos que: « Os pobres em espírito, deles é o Reino dos Céus. Os que sofrem perseguição por amor da justiça, deles é o Reino dos Céus. Quando vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa.»
Não é facil de compreender este crirério de vida: ser feliz pela via da fragilidade, do desprendimento e do serviço humilde aos outros. Ele desafia, ouso dizer, tudo quanto temos aprendido ou fomos educados. O próprio sistema de valores da nossa sociedade actual que – tão agressiva e constantemente nos é transmido pelos meios de comunicação – apregoa exactamente o contrário, como a riqueza, o poder, o prazer, a força e o meramente imediato e terreno, sem visão transcendental, espiritual. Em suma, sem abertura ao divino.