Maria Caetano
O Chefe do Executivo e candidato único à liderança do 4º Governo de Macau fez, para o próximo mandato de cinco anos, duas promessas importantes e concretas a uma parte influente do seu colégio eleitoral. O eventual trade-off por um eventual apoio “esmagador” – tal como pedido pelo presidente do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, Zhang Dejiang, aos membros da Associação Comercial de Macau – implicou a garantia de uma reserva de terrenos para a promoção imobiliária e ainda a promessa de eliminação da chamada ‘lei de sombra’ do Regime Geral de Construção Urbana, libertando os promotores de um constrangimento que, pelos vistos, também não tem sido respeitado cabalmente. Pelo menos, é este um dos pontos da argumentação para cancelar a norma – desarrazoado, mas é.
Tal como estamos, o sol, quando nasce, já não é efectivamente para todos, à custa da saúde dos habituais penalizados. Certamente, por falta de estudos científicos encomendados a partes independentes e insuspeitas, o Governo actual e futuro não tem ou terá dados em que se apoiar relativamente às consequências nocivas da falta de sol nos edifícios e nas pessoas. De resto, sabemos que a saúde não é, não tem vindo a ser, uma grande prioridade da acção do Executivo e que, perante o desígnio de desenvolvimento económico – vulgo, enriquecimento – bafio, icterícia ou desânimo são apenas mariquices.
Certamente que o sector da construção – seus empresários e técnicos –regozija com a possibilidade (dizemos possibilidade porque vai haver uma consulta, nem que seja decorativa). Mas os técnicos deste sector, sendo profissionais de autoridade, são também, não nos podemos esquecer, parte interessada na libertação de constrangimentos desta natureza – seja por razões estéticas ou por vontade de facilitação de procedimentos.
Se há efectivamente alternativas à chamada ‘lei de sombra’ capazes de garantir efeitos iguais na salubridade urbana, era interessante que estas fossem explicitadas e também regulamentadas. Sabemos que a existência de normas não invalida o recurso generalizado aos mecanismos de excepção, mas ainda assim convém deixar tudo por escrito com letra de lei.
A malha urbana vai continuar a crescer, com cada vez mais propriedade, como cogumelos. Convém decidir se queremos uma cidade para fungos ou feita a pensar nas pessoas.
Noutros anúncios da plataforma de Chui Sai On, surge a intenção de constituir o Fundo de Investimento e Desenvolvimento de Macau – o chamado fundo soberano recomendado, inclusivamente, pelo Fundo Monetário Internacional. Até aqui, tudo mais ou menos insosso e inodoro, mas a preocupação surge do enquadramento que alguns membros do sector político dão à coisa. Os deputados já sugeriram que a gestão dos excedentes orçamentais possa de algum modo ficar a cargo da empresa pública responsável pela gestão dos investimentos da RAEM na Ilha da Montanha e convém avaliar se esses ‘bens’ que estarão do lado de lá da fronteira serão de facto uma boa aposta para as economias da população. Convinha, aliás, primeiro, saber o que são efectivamente.
Do lado de lá da fronteira, antecipamos, vão surgir também novos empreendimentos de habitação destinados a hospedar não-residentes, de acordo com o mesmo programa de candidatura. Alguém irá construi-los – pressuposto. O futuro Governo quererá promover a vida transfronteiriça, e para isso vai negociar com as operadoras de jogo a relocalização dos seus funcionários com blue card. A abertura da fronteira por 24 horas já tem aval. O caminho está aberto para que os não-residentes percam a possibilidade de viver no território da RAEM? Eles que, segundo Chui Sai On, serão também os primeiros a ser mandados embora em cenário de desaceleração económica e perda de emprego. Morar em Macau será um privilégio para cada vez menos pessoas.
Há quem entenda que da plataforma do candidato único não é possível extrair uma imagem futura da RAEM. É, efectivamente, difícil. Mas, seguindo as pistas, dá para ter uma ideia. Nos próximos cinco anos Macau será uma cidade menos habitável, menos saudável e menos simpática.