Rui Rocha*
Hangzhou, a capital da província de Zhejiang, é considerada também a capital do chá na China. Por esta razão, que melhor cidade haveria para erigir o Museu Nacional do Chá, o único, de resto, em todo o continente chinês?
O chá será, porventura, a bebida mais apreciada no mundo e a que maior impacto teve e continua a ter nas culturas e nos povos que a Oriente a adoptaram como filosofia ou, simplesmente, como bebida de grande subtileza e requinte.
Muitas são as lendas chinesas, japonesas e indianas que contam, à sua maneira, as origens do chá. Porém, a cultura do chá é “filha do meio chinês” como dizia Vidal de la Blache (Rocha, 1995[1]).
O chá pode reivindicar para si o privilégio de ser a bebida mais antiga da história da Humanidade se exceptuarmos, por razões óbvias, a água e o leite. Na verdade, de acordo com a tabela geral da ancestralidade das plantas de cultivo, estabelecida pelo botânico suíço Augustin Pyrame de Candolle (1778-1841), a planta do chá figura na categoria A, isto é, no grupo de plantas de cultivo mais antigas, com cerca de quatro mil anos (Rocha, 1995[2]).
E quando se pretende fixar a data da descoberta do chá como bebida, remonta-se ao 3º milénio a.C. e à figura do lendário imperador chinês Yan Di, mais conhecido por Shennong (trad. 神農; simpl, 神农; pinyin: Shénnóng), cujo nome significa literalmente o Agricultor Divino[3], também conhecido como o Imperador dos 5 Grãos (trad. 五穀先帝, simpl. 五谷先帝, pinyin Wǔgǔxiāndì). Conta-se que o referido imperador, considerado na China como o deus da agricultura e da medicina, ordenou a todos os seus súbditos que fervessem a água antes de a beber, por motivos de saúde pública. Um dia, procedendo ele próprio a esta tarefa à sombra de uma árvore silvestre, no decurso de uma das suas muitas deambulações pelo campo para estudo das plantas, reparou que a brisa do vento tinha feito cair algumas folhas da árvore dentro do recipiente na altura em que a água entrara em ebulição. Maravilhado com o odor suave e aromático que emanava do recipiente, decidiu provar a água que entretanto tinha mudado de cor. Estava, assim, descoberta a planta e a bebida do chá. Conta-se também que este imperador provava cada erva que encontrava, a fim de descobrir as propriedades medicinais de cada uma delas, tendo chegado a envenenar-se 12 vezes num só dia (Rocha, 1995[4]).
De tal forma foi influente o chá na tradição cultural chinesa que as três etapas da sua preparação (cozido, batido e infuso) deram origem a três escolas que marcaram o espírito de três dinastias, correspondentes cronologicamente a cada uma das referidas preparações: na dinastia Tang (620-907), a do chá cozido; na dinastia Song (960-1276), a do chá batido; e na dinastia Ming (1368-1644), a do chá infuso – e marcam ainda a cultura de muitos países. No Japão, a escola do chá batido, levada pelos monges Zen da China para o Japão, ainda hoje é adotada na cerimónia japonesa do chá e nos mosteiros Zen, enquanto que a escola do chá infuso é a forma comum de preparar o chá actualmente na China e no mundo.
A China é o maior produtor mundial de chá, com cerca de 36 por cento (1.640.310 toneladas) da produção mundial que, segundo as estatísticas da FOASTAT 2012[5], ronda as 4.579.950 toneladas/ano.
Mas para além deste facto, a China é o país que mais variedades de chá produz, sem qualquer concorrente à altura. A atual classificação adotada na China para agrupar os diferentes tipos de chá é a seguinte[6]: chás verdes (緑茶), com 129 variedades; chás amarelos (黃茶), com cinco variedades; chás pretos (黑茶), que fora da China se designam por dark teas (chás escuros), com 13 variedades; chás brancos (白茶) com duas variedades; chás oolong ou chás cerceta (verde-azulado) (乌龙茶/青茶) com 18 variedades; chás vermelhos (紅茶), que fora da China se designam por chás pretos (black tea), com nove variedades; e, finalmente, os chás aromáticos infusos a partir de flores várias, por vezes combinadas com chás verdes ou vermelhos: jasmim, crisântemo, rosa negra, jasmineiro-do-imperador (osmanthus), orquídea, gardénia, madressilva, pessegueiro, lichia e outras.
O Museu Nacional do Chá de Hangzhou está situado na Rua de Longjing, nº 88, um nome de rua emblemático, pois o chá verde longjing, proveniente de uma aldeia de Hangzhou com o mesmo nome e que literalmente significa “poço do dragão” (trad: 龍井茶; simpl: 龙井茶; pinyin: lóngjǐng chá), é o chá mais famoso em toda a China, ocupando desde sempre o primeiro lugar no top dos chá mais famosos da China.
Visitar este belo e didático museu é percorrer a história cultural da China através do chá.
*Diretor do Departamento de Língua Portuguesa e Cultura dos Países de Língua Portuguesa, Universidade Cidade de Macau
(O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico)
[1] Rocha, Rui (1995). A Aventura Portuguesa do Chá. In: Macau, II série, nº 44, Dezembro. Macau.
[2] Rocha, Rui (1995). Idem.
[3] Chow, Kit; Kramer, Ione (1990). All The Tea in China. San Francisco: China Books and Periodicals, In.
[4] Rocha, Rui (1995). Idem.
[6]中国茶谱 (Zhong Guo Cha Pu). 中国林业出版社 出版日期: 2007-1-1