O Museu do Chá de Hangzhou

Rui Rocha*

Hangzhou, a capital da província de Zhejiang, é considerada também a capital do chá na China. Por esta razão, que melhor cidade haveria para erigir o Museu Nacional do Chá, o único, de resto, em todo o continente chinês?

O chá será, porventura, a bebida mais apreciada no mundo e a que maior impacto teve e continua a ter nas culturas e nos povos que a Oriente a adoptaram como filosofia ou, simplesmente, como bebida de grande subtileza e requinte.

Muitas são as lendas chinesas, japonesas e indianas que contam, à sua maneira, as origens do chá. Porém, a cultura do chá é “filha do meio chinês” como dizia Vidal de la Blache (Rocha, 1995[1]).

O chá pode reivindicar para si o privilégio de ser a bebida mais antiga da história da Humanidade se exceptuarmos, por razões óbvias, a água e o leite. Na verdade, de acordo com a tabela geral da ancestralidade das plantas de cultivo, estabelecida pelo botânico suíço Augustin Pyrame de Candolle (1778-1841), a planta do chá figura na categoria A, isto é, no grupo de plantas de cultivo mais antigas, com cerca de quatro mil anos (Rocha, 1995[2]).

E quando se pretende fixar a data da descoberta do chá como bebida, remonta-se ao 3º milénio a.C. e à figura do lendário imperador chinês Yan Di, mais conhecido por Shennong (trad. 神農; simpl, 神农; pinyin: Shénnóng), cujo nome significa literalmente o Agricultor Divino[3], também conhecido como o Imperador dos 5 Grãos (trad. 五穀先帝, simpl. 五谷先帝, pinyin Wǔgǔxiāndì). Conta-se que o referido imperador, considerado na China como o deus da agricultura e da medicina, ordenou a todos os seus súbditos que fervessem a água antes de a beber, por motivos de saúde pública. Um dia, procedendo ele próprio a esta tarefa à sombra de uma árvore silvestre, no decurso de uma das suas muitas deambulações pelo campo para estudo das plantas, reparou que a brisa do vento tinha feito cair algumas folhas da árvore dentro do recipiente na altura em que a água entrara em ebulição. Maravilhado com o odor suave e aromático que emanava do recipiente, decidiu provar a água que entretanto tinha mudado de cor. Estava, assim, descoberta a planta e a bebida do chá. Conta-se também que este imperador provava cada erva que encontrava, a fim de descobrir as propriedades medicinais de cada uma delas, tendo chegado a envenenar-se 12 vezes num só dia (Rocha, 1995[4]).

De tal forma foi influente o chá na tradição cultural chinesa que as três etapas da sua preparação (cozido, batido e infuso) deram origem a três escolas que marcaram o espírito de três dinastias, correspondentes cronologicamente a cada uma das referidas preparações: na dinastia Tang (620-907), a do chá cozido; na dinastia Song (960-1276), a do chá batido; e na dinastia Ming (1368-1644), a do chá infuso – e marcam ainda a cultura de muitos países. No Japão, a escola do chá batido, levada pelos monges Zen da China para o Japão, ainda hoje é adotada na cerimónia japonesa do chá e nos mosteiros Zen, enquanto que a escola do chá infuso é a forma comum de preparar o chá actualmente na China e no mundo.

A China é o maior produtor mundial de chá, com cerca de 36 por cento (1.640.310 toneladas) da produção mundial que, segundo as estatísticas da FOASTAT 2012[5], ronda as 4.579.950 toneladas/ano.

Mas para além deste facto, a China é o país que mais variedades de chá produz, sem qualquer concorrente à altura. A atual classificação adotada na China para agrupar os diferentes tipos de chá é a seguinte[6]: chás verdes (緑茶), com 129 variedades; chás amarelos (黃茶), com cinco variedades; chás pretos (黑茶), que fora da China se designam por dark teas (chás escuros), com 13 variedades; chás brancos (白茶) com duas variedades; chás oolong ou chás cerceta (verde-azulado) (乌龙茶/青茶) com 18 variedades; chás vermelhos (紅茶), que fora da China se designam por chás pretos (black tea), com nove variedades; e, finalmente, os chás aromáticos infusos a partir de flores várias, por vezes combinadas com chás verdes ou vermelhos: jasmim, crisântemo, rosa negra, jasmineiro-do-imperador (osmanthus), orquídea, gardénia, madressilva, pessegueiro, lichia e outras.

O Museu Nacional do Chá de Hangzhou está situado na Rua de Longjing, nº 88, um nome de rua emblemático, pois o chá verde longjing, proveniente de uma aldeia de Hangzhou com o mesmo nome e que literalmente significa “poço do dragão” (trad: 龍井茶; simpl: 龙井茶; pinyin: lóngjǐng chá), é o chá mais famoso em toda a China, ocupando desde sempre o primeiro lugar no top dos chá mais famosos da China.

Visitar este belo e didático museu é percorrer a história cultural da China através do chá.

 

*Diretor do Departamento de Língua Portuguesa e Cultura dos Países de Língua Portuguesa, Universidade Cidade de Macau

(O autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico)


[1] Rocha, Rui (1995). A Aventura Portuguesa do Chá. In: Macau, II série, nº 44, Dezembro. Macau.

[2] Rocha, Rui (1995). Idem.

[3] Chow, Kit; Kramer, Ione (1990). All The Tea in China. San Francisco: China Books and Periodicals, In.

[4] Rocha, Rui (1995). Idem.

[6]中国茶谱 (Zhong Guo Cha Pu). 中国林业出版社 出版日期: 2007-1-1

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Escapismo criativo

Maria Caetano

Esta região administrativa especial vive obcecada com uma imposição, tão geradora se frustração como de um sonho permanentemente adiado. À semelhança de um autor com um bloqueio de escrita, Macau parece ter diante de si uma tremenda página em branco que até os mais altos desígnios públicos não conseguem preencher. A responsabilidade vem pesando sobre empresários e criadores, estarrecidos e nervosamente embrutecidos perante a obrigação de criar. Mas a criatividade está sempre além.

Foi, primeiro, uma miragem no bairro de São Lázaro, uma projecção num edifício envidraçado do Tap Seac, um fantasma nos bairros antigos, uma efabulação no centro da cidade. Agora, e desde há algum tempo, é uma promessa de evasão na Ilha da Montanha.

Os criadores deitam-se todas as noites a sonhar com a obra, acordando suados e paralisados pela pressão da missão, que relegam para um cenário de condições ideais e apoios seguros, como se a mera condição de lugar garantisse a criatividade, oleada e profícua, tão desejada. Do lado de lá será melhor, tranquilizamo-nos, como o escritor em bloqueio parte em retiro de escrita.

Do lado de lá há-de nascer uma cidade cultural e criativa, e já não do lado de cá. Uma cidade que, para já, é toda feita de ambição política e de três mil milhões de yuan em investimento prometidos pelo grupo do empresário local Peter Lam, que na última semana obteve das autoridades de Zhuhai a concessão de um terreno de área superior a 130 mil metros quadrados. À boleia, diz o grupo, irão pequenas e média empresas criativas de Macau. Não sabemos como nem com que critérios.

A questão do critério não é irrelevante, ou não será. Desconhecendo os termos da concessão pelo município de Zhuhai e as condições sob as quais o projecto foi aprovado, sabemos que a Nova Área de Hengqin foi declarada como zona de exploração conjunta por Macau e pelo Continente, que o seu aproveitamento está sujeito à realização de finalidades estratégicas das governações regionais e que, de acordo com as autoridades da RAEM, o pequeno e médio empresariado local terá uma oportunidade de participação enquadrado em projectos de maior capacidade financeira.

À concessão do terreno não serão estranhas as promessas e compromissos assumidos pelo empreendedor, no actual processo de transferência de sonhos para o lado de lá da fronteira. Seria bom perceber aquilo com que se compromete. E, mais do que a oferta generosa de boleia aos criadores locais, convinha entender as responsabilidades que assume fretar nesta livre empresa de missão pública.

De resto, o idílio que nos espera do lado de lá em termos de pujança criativa continua tão enevoado com antes. E Macau parece saber oficialmente menos dele do que investidores da bolsa de Hong Kong.

O ar da Montanha fará bem aos criadores? Certamente, poderá trazer vantagens fiscais e condições de produção de uma indústria efectiva, que deste lado não é possível encontrar. Será eventualmente bom para o processo industrial. Mas a mudança de ares será a solução para a criação, propriamente dita, para a promoção e para a criação de um circuito de comercialização?

As condições essenciais para a criatividade – inteligência, liberdade e ócio – são as primeiras que devemos procurar. E estas garantem-se por via do ensino, fundamentalmente. Mais do que o estudo dos modelos adoptados noutros países e territórios, que as definições, que o intercâmbio, que as feiras, as vantagens industriais e de comercialização – todas apostas importantes – só a educação pode gerar uma circunstância ideal que reúna todos os ingredientes necessários para se ser criativo em qualquer lugar, sem ter de sair de casa.

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Bolinha: uma questão de dimensões

Agostinho Caetano*

 

O Futebol de Macau tem na variante de 7, institucionalmente designado por “Futebol Miniatura” (Araújo, Dez. 2006) e tradicionalmente conhecido por “Bolinha”, a sua expressão mais popular. Começando a ser praticado no território no final da década de 20 do passado século (Araújo, Dez. 2006), cedo se assumiu como um fenómeno de popularidade, quer a nível dos espectadores, quer essencialmente entre os praticantes. A adesão foi de tal modo, que para salvaguardar o Futebol de 11, popularmente denominado por “Bolão”, foram criadas diferentes épocas para as respectivas variantes futebolísticas: 1 de Junho a 1 de Outubro para o “Futebol Miniatura” e de 15 de Outubro a 31 de Maio para o Futebol de 11 (Azevedo, Abril 2010).

A esta adesão não serão estranhos factores motivacionais como: necessidade de espaços mais reduzidos para a sua prática, logo mais facilidade em encontrar espaços para o efeito; menor número de jogadores para constituir uma equipa, o que se tornou mais funcional; tamanho mais reduzido da bola, com a consequente maior facilidade no seu domínio; balizas mais reduzidas, tornando mais acessível o desempenho tão específico e difícil como é o de guarda-redes.

Todos estes factores tornaram o jogo mais atractivo para os praticantes, uma vez que o reduzido espaço, aliado ao menor número de jogadores em acção, permitem que os contactos com a bola sejam muito mais frequentes, e portanto muito mais do agrado dos jogadores. A modificação dos factores já enunciados obrigou a uma organização dinâmica do jogo mais movimentada tornando o jogo mais rápido, certamente mais do agrado dos espectadores. O jogo “aproximou-se” mais do “futebol de rua” espontaneamente praticado diáriamente pelo cidadão comum. A redução do tempo de jogo poderá ter tido também algum contributo para o agrado de praticantes e espectadores.

Actualmente constatamos que a “Bolinha” continua a ter a preferência popular, os números registados no actual campeonato são elucidativos. Disputado em duas divisões (1ª e 2ª), estão a participar 115 equipas, 16 na 1ª Divisão divididas por dois grupos de 8 equipas e 99 equipas na 2ª Divisão divididas por 24 grupos, tendo três grupos com cinco equipas e 21 com quatro equipas respectivamente. Se tivermos em conta que a cada equipa foi permitido inscrever 14 jogadores chega-se ao número impressionante da possibilidade de participação de 1650 praticantes. As duas competições são simultaneamente disputadas durantes os meses de Agosto, Setembro e Outubro, com os jogos a serem disputados num só campo (sintético do Colégio D. Bosco) em sessões de quatro jogos por noite.

A “Bolinha” actual continua fiel ao “futebol miniatura”, pois é disso que realmente se trata. Apesar de ser jogado na variante de sete, não segue a “fórmula” do Futebol de 7 praticado, por exemplo na Europa. A variante de 7 praticada no D. Bosco rege-se pelas leis de jogo do Futebol de 11, apenas sendo diferente no número de jogadores, nas dimensões do campo, bola, balizas e tempo de jogo. A diferença fundamental que a distingue do Futebol de 7, está no fora-de-jogo, seguindo a lei utilizada no Futebol de 11, aplicada em todo o campo e não apenas nos espaços compreendidos entre os prolongamentos das linhas limites das Áreas de Penalidade e as respectivas Linhas de Fundo.

Observemos o quadro comparativo entre as 3 variantes futebolísticas:

 

  Futebol de 11 “Bolinha” (D. Bosco) Futebol de 7
Nº de jogadores 11 7 7
Campo 106m x 68m * 76,65m x 52,5m 66m x 40m *
Balizas 7,5m x 2,44m 4m x 2,20m 6m x 2m
Bola Nº 5 Nº 4 Nº 4
Tempo de Jogo 45 min. + 45 min. 25 min + 25 min. 45 min. + 45 min.
Substituições 3 3  
Lei do Fora-de-Jogo Aplicada em todo o campo Aplicada em todo o campo  Aplicada apenas entre as Linhas de Área de Penalidade e as Linhas de Fundo (13,5m)

* Medidas mais comummente utilizadas, uma vez que os regulamentos estabelecem medidas máximas e mínimas.

 

As dimensões do campo do D. Bosco parecem-me exageradas para uma variante de 7 (1+6 x 6+1), tornando o jogo de grande exigência física. A sua organização dinâmica obriga a grande movimentação dos jogadores, principalmente nas transições, tendo na prática que ‘inventar’ um dos sectores: ou existe defesa e meio-campo, ou existe meio-campo e ataque. Disputado na variante de 8 (7+1 x 1+7) proporcionaria uma ocupação mais racional do espaço e uma ligação mais harmoniosa entre os sectores. As balizas parecem-me muito reduzidas na sua largura onde cinco ou seis metros estariam mais de acordo com as dimensões do campo. No respeitante às substituições, penso que apenas três alterações são poucas para o dispêndio físico que o jogo exige, agravado pelo facto de ser disputado em pleno Verão, em condições de temperatura e humidade que o tornam ainda mais difícil.

Apesar desta opinião, entendo no entanto, a posição da Associação de Futebol de Macau, pois se foi com esta fórmula que a “Bolinha” atingiu a popularidade que tem hoje… lá está a velha máxima futebolística: em equipa que ganha não se mexe.

Já não entendo a imposição de que as equipas  participem na “Bolinha” para o poderem fazer também no “Bolão”. Face aos números de participação que se têm verificado ano após ano, acho esta obrigatoriedade perfeitamente desnecessária.  Estou certo que o número de equipas participantes seria sensivelmente o mesmo, porque será a vontade participativa dos jogadores a “obrigar” a inscrição das equipas. Para além do prazer que o jogo lhes proporciona, é uma forma de não estarem parados durante praticamente seis meses.

 

*Licenciado em Educação Física e treinador de futebol

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O Recorde Dourado

Iris Lei

 

A azáfama em Macau dura o ano inteiro, e este ano não constitui excepção. Nesta segunda metade de 2013, logo após as férias de Verão, houve eleições para a Assembleia Legislativa, com polémica prolongada mesmo semanas após a publicação dos resultados eleitorais. Depois houve o Festival Internacional de Fogo de Artifício, também neste mês de Setembro, um espectáculo incomparável com o que sucede em qualquer parte do mundo. Com o fim deste festival, dá-se início ao Grande Prémio de Macau, que atrai milhares de pilotos e fãs. A comemorar o 60º aniversário, o evento promete ter a maior projecção de sempre e não dar sossego a nenhum canto da cidade.

Mas, atenção, não falámos ainda sequer do evento mais importante, do ponto de vista da generalidade dos cidadãos, a semana dourada de Outubro. No ano passado, tivemos um milhão de turistas apinhados em 30 quilómetros quadrados para celebrar a fundação da República Popular durante sete dias de feriados. Os turistas estavam em todo o lado, do Largo do Senado às Ruínas de São Paulo, dispostos a abraçar os marcos da cidade. E, com eles, subiram as rendas nestas áreas, deixando a cidade incapaz de manter espaços como a cadeia internacional Starbucks e a livraria de Hong Kong Commercial Press.

Se prestarmos atenção aos dados oficiais, compreendemos melhor estas consequências. Macau recebeu, apenas em Agosto – o mês de maior afluência turística –, 2,87 milhões de turistas, sendo 65 por cento destes do Continente. Nos primeiros oito meses de 2013, a região acolheu 19,57 milhões de turistas, sendo, sem surpresa, 64 por cento visitantes do Continente.

O que já surpreende é que o número de 20 milhões nos deixe muito próximos do recorde histórico de 28 milhões de visitantes alcançado no ano passado. Tendo em conta a taxa de crescimento anual de 4,7 por cento é provável que cheguemos aos 30 milhões de turistas no final deste ano. Aqui deixarão a sua marca passando uma média de uma dia a “sentir Macau”. No entanto, o Instituto de Formação Turística alertou já no ano passado que a capacidade turística anual máxima é de 29 milhões de visitantes.

Macau está prestes as voltar a fazer história, com a Direcção dos Serviços de Turismo a lançar, pouco antes da semana dourada, novos percursos para afastar os turistas do centro da cidade e levá-los a descobrir novos locais com valor turístico, alguns inclusivamente a norte da cidade, bem como a sentir uma Macau diferente.

Os comerciantes das zonas menos populares estão razoavelmente satisfeitos com a decisão que permite que recebam mais turistas, e talvez mais receitas. Mas, ao mesmo tempo, preocupam-se com a possibilidade de a medida levar a um aumento das rendas, tal como aconteceu no centro da cidade onde são exigidas rendas insuportáveis para os pequenos negócios. Ter mais pessoas nestas novas zonas até parece uma boa ideia, mas talvez estes comerciantes, e todos nós, afinal, tenhamos de pagar o preço do desenvolvimento económico.

Terão estes novos roteiros sucesso na diversificação dos itinerários turísticos? Para já, não sabemos. Mas basta pensar: se tivermos apenas um dia para passar na cidade, optamos pelo centro ou pelas zonas residenciais? A resposta pode não ser simples para todos, mas para os turistas que mais visitam Macau talvez seja óbvia.

Os Serviços de Turismo deviam ter investido mais tempo a diversificar os mercados de origem dos turistas do que a procurar diversificar os locais que estes podem visitar em Macau. O organismo tem promovido a região com a “semana de Macau” em diferentes partes do país, numa estratégia cujo sucesso depende dos turistas do Continente. Mudar de estratégia não parece má opção, ao invés de seguir-se o mesmo caminho anos a fio.

Pode promover-se os encantos de Macau em Taiwan, Austrália, Canadá, etc. – mercados cujo número de turistas tem vindo a decair. Alguém que venha do Canadá, fazendo uma viagem de mais de dez horas de avião para ver a cidade onde o Ocidente e o Oriente se encontram, certamente quererá explorar a cidade. Há que lembrar: “é a qualidade e não quantidade que conta”.

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O incontornável e incontrolável momento de Jesus

Pedro Cortés* 

“Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram.  Eis que a casa de vocês ficará deserta. Pois eu lhes digo que vocês não me verão mais, até que digam: ‘Bendito é o que vem em nome do Senhor”

Mt. 23.37-39

Estas ‘cousas’ do Benfica e do circo mediático que consigo oneram deixam tudo em polvorosa no reino dos fariseus.

A postura de Jorge Jesus no final do jogo da sua equipa e do meu querido clube contra o Vitória de Guimarães foi deplorável, inaceitável, inconcebível, pelo menos aos olhos de alguns – se calhar poucos – nos quais me incluo.

Em momentos lúcidos de Benfiquismo – os que sofrem desta doença tão pulcra e bela também os têm amiúde – chego ao perfazimento de que se a alma do Cosme Damião encarnasse e voltasse à terra, muitos dos que acreditam cegamente naquilo que lhes servem ‘circensemente’ nos jornais, revistas e programas de televisão, eram capazes de ficar a pensar que ser do Benfica não é para eles, porquanto contribuem para a ‘portificação’ do Sport Lisboa e Benfica.

Passo a explicar para os mais desatentos do fenómeno da bola.

Desde há uns anos, a ideia estratégica dos dirigentes daquele que é considerado pelo Guiness Book of Records como o maior clube do mundo – quem sou eu para contrariar esta instituição! – parece ser a de lutar com as mesmas armas de um clube que respeito muito – respeitar um adversário não significa concordar com as práticas criminosas dos seus dirigentes – e que tem a hegemonia do futebol em Portugal, o Futebol Clube do Porto.

Quer parecer-me que só faltam produtos frutícolas e a bebida que se produz a partir dos grãos torrados do fruto do cafeeiro para que o ramalhete se complete.

De resto temos tido de tudo: agressões a jornalistas, a polícias, a jogadores de outros clubes, clima intimidatório no túnel, petardos, corte de energia, rega… enfim, todo um tipo de acções que fez e faz escola ali junto à Ponte do Freixo.

Só que com uma pequena grande diferença: sem títulos de remonta, apesar dos momentos ‘muy lindos’ que proporcionam aos seus adeptos.

O Benfica e os Benfiquistas carecem de reflectir se é esta a melhor forma de combater um sistema enraizado há três décadas no panorama do pontapé na bola em Portugal. Ou, ao invés, tentar usar da inteligência para combater o arqui-rival. Conhecer-lhe os podres – que, ao cabo e ao resto, todos conhecemos – e lutar contra eles através daquilo que sempre distinguiu a associação criada pelo Senhor Cosme Damião: a paixão genuína, a força da massa associativa e o respeito por todos os rivais que estão espelhados no seu lema: ‘E Pluribus Unum’.

Jorge Jesus, já o demonstrou, é um grande treinador de futebol. E, até ver, é para isso que é pago principescamente. Não é para defender adeptos (?) que saltaram para dentro do campo em clara violação da lei, por muito que o uso da violência por parte da polícia a norte do Mondego seja uma constante. Não é para mostrar quatro dedos ao Manuel Machado por muito que isso galvanize a massa adepta. Não é para fazer com que o ódio ao Benfica seja cada dia maior.

Sim, há o Benfica e o Anti-Benfica. Há o Benfiquismo e o Anti-Benfiquismo, nas suas diversas formas e feitios: primário, secundário, ‘lagartário’ e ‘portuário’. A grandeza tem destas coisas. Mas a grandeza não deve significar arrogância nem malcriadez. Deve significar respeito e compaixão para com os fariseus. Para com aqueles que invejam tudo aquilo que diz respeito ao meu querido Clube e que passam o dia a falar da maior criação da Humanidade desde o pão, o queijo, o presunto e o vinho: o Sport Lisboa e Benfica. Para com os verdadeiros adversários: Sportinguistas e Portistas de gema que não se revêem em muitas das atitudes dos seus dirigentes e adeptos e que não querem apenas o mal do rival.

Temo que seja tarde para parar esse processo degenerativo da identidade da minha manufactura diária de sonhos. E que, daqui a uns anos, o processo de ‘portificação’ esteja definitivamente terminado. Só espero que, pelo menos, seja com títulos. Mas não a todo o custo. Porque, ao contrário dos cegos que só vêem virtudes no reino do dragão, eu não quero que o clube de que sou sócio há mais de 27 anos ganhe a qualquer custo. Quero que ganhe no campo, sem erros grosseiros de arbitragem, respeitando o adversário e, já agora, como é muito caro ao carismático treinador: com nota artística acentuada.

*Advogado

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O campus

Hélder Beja

“No dia em que a universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade, dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as margens do Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros, de influir, de gozar, de viver, — de prolongar a universidade pela vida adiante…”

Machado de Assis

in Memórias Póstumas de Brás Cubas

Ainda custa a crer que está mesmo a acontecer o que está a acontecer na Ilha da Montanha. O novo campus da Universidade de Macau (UMAC), o único projecto em anos que na sua escala pode comparar-se e até superar a dos casinos que medram no território, é o investimento mais importante feito pela RAEM numa área fulcral para qualquer projecto de governação e de evolução social: a educação.

O facto de o campus, com um quilómetro quadrado de dimensão, estar situado numa nova área cedida pelo Governo Central a Macau, tem dado muita discussão e com certeza que continuará a ser assim. O que será e não será permitido na cidade universitária? Sim, a lei de Macau vigora, mas isso vai aplicar-se a tudo? Os livros, por exemplo, qualquer livro poderá estar nas estantes da nova biblioteca universitária ou haverá discretas omissões? E os protestos, poderão os estudantes expressar-se livremente? E a Internet? E a livre circulação de pessoas?

Há muitas perguntas, algumas delas já com resposta, outras nem tanto. A Internet, por exemplo, será exactamente como a que temos em Macau, fornecida pelos serviços sempre imprevisíveis e tantas vezes irritantes da CTM. Haverá também redes da China Continental disponíveis para quem a elas se quiser ligar e, assim sendo, deixar de ter acesso a uma quantidade de sites que passarão a aparecer bloqueados. Mas isso é da vida – as redes já lá estavam e lá continuarão, como acontece na zona norte do território, junto às Portas do Cerco. As pessoas, assevera-se, poderão circular livremente entre este e aquele lado do rio, não apenas os estudantes mas todos aqueles que agora nos lêem e todos os que estejam em Macau ou visitem o território.

Compreende-se que o conceito de “sob jurisdição de Macau” não seja suficiente para sossegar os espíritos mais tementes e também mais conhecedores da marotices de que Pequim é capaz. No entanto, ao visitar a nova UMAC é possível acreditar que o caminho não seja o pior, que as interferências não se verifiquem e que, afinal, possa nascer na Montanha um centro de conhecimento e criação de sentido crítico como até hoje não existe no território. A contratação de professores de diferentes proveniências e a cada vez maior abertura a alunos estrangeiros são sinais positivos de uma instituição que se quer livre. Merece ao menos o benefício da dúvida.

Resta lembrar que uma boa universidade não se faz com boas salas de aula e laboratórios, zonas verdes, infra-estruturas desportivas e culturais, e toda uma série de mordomias. Tudo isto conta, sim, mas agora é preciso que a UMAC e aqueles que guiam os seus destinos apostem no que é mais importante: gente capaz para ensinar e gente capaz de aprender, para que a instituição não seja apenas um lugar que atesta pregaminhos a alunos que não trazem a ciência arraigada no cérebro, como diz o Brás Cubas de Machado de Assis. Apenas subindo a fasquia de qualidade das ofertas académicas será possível à Universidade de Macau tornar-se vagamente uma referência na região, coisa que hoje não é de todo verdade. A cidade está quase montada, agora só falta a universidade.

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Espaço d’Arquitectura 1

Paulo Mendes Ricardo*

Nasce, hoje, Espaço d’Arquitectura, uma nova área de reflexão que, a partir desta data, ocupará uma parcela deste jornal.

Espaço d’Arquitectura pretende ser um texto de opinião livre, de reflexão sobre a relação da arquitectura com o meio envolvente, uma abordagem sobre o património construído, por construir, a sua relação com as outras artes e as comunidades.

Interessa a Espaço d’Arquitectura abordar todos os temas de uma forma descomprometida, descomplexada e, principalmente, construtiva e positiva.

Ter a capacidade de levantar questões é, sem dúvida, um desafio que nos parece ser, indubitavelmente complexo, porém interessante.

Pretende-se desenvolver um esforço para que todos os temas sejam percorridos sob a perspectiva sempre dirigida para o utilizador, o cidadão, com o intuito da criação de uma linguagem acessível. Esse esforço pode, muitas vezes, significar estabelecer paralelos entre dois universos: o material (tangível e perceptível) e o imaterial (conceptual e técnico), para se debruçar e se compreenderem as diferenças que os separam e que os unem.

Sem sombra de dúvida que, a principal área alvo de Espaço d’Arquitectura, será a zona mais antiga de Macau e o seu mais antigo património construído. Ele constitui a memória material que relaciona a influência arquitectónica portuguesa na expressão edificada macaense. Torna-se, por isso, incontornável perceber o seu valor, a sua implementação, a sua preservação, a sua aceitação por parte da população, a sua influência social, as políticas de regulação do património, a sua eficácia, os seus limites, as suas virtudes, os seus  constrangimentos, a sua manutenção, a relação da cidade “velha” com a nova realidade arquitectónica… entre tantos outros assuntos que, ao longo do tempo, povoarão estas linhas.

Efectivamente, o facto de Macau possuir uma zona declarada Património Mundial da Humanidade, pela Unesco, é, sem dúvida, um inevitável reconhecimento da cultura macaense e da sua relação com a presença dos portugueses no oriente. Para nós, é também um motivo acrescido poder abraçar este desafio e reflectir sobre a referida temática numa cidade que em 15 de Julho de 2005 viu reconhecida a sua importância ímpar.

Não poderemos mesmo deixar de fazer um paralelo, nesta primeira oportunidade, entre Macau e outra cidade que me é querida, a cidade de Coimbra.

Coimbra é, hoje, um dos maiores motivos de orgulho para Portugal. Pois, uma vez que, no dia 22 de Junho de 2013, viu a sua Universidade de Coimbra (UC) e a Rua da Sofia reconhecidas como Património Mundial da Humanidade, também pela Unesco. O valor simbólico deste reconhecimento é de inegável importância para a mais antiga Universidade portuguesa, para a própria cidade de Coimbra, para Portugal e por que não, para o Mundo Lusófono.

Com efeito, a contribuição desta Universidade para a cultura portuguesa e lusófona, que se espalhou um pouco por todo o mundo, é de uma inegável importância, exactamente como também o pode testemunhar o pequeno território de Macau. Este merecido reconhecimento deixa os portugueses, os conimbricenses, em particular, os luso-descendentes e todos os utilizadores da língua portuguesa extraordinariamente satisfeitos. Naturalmente que, por este motivo, a UC, fundada em 1290, por D. Dinis, tem hoje novas e especiais responsabilidades em relação à preservação do seu património material e, porventura mais importante, o património imaterial.

Certamente que o processo desenvolvido pelo Gabinete de Candidatura à UNESCO da UC servirá para este espaço, como uma mais-valia de conhecimento adquirido, por ter tido a extraordinária oportunidade de ter sido um elemento da equipa responsável pela investigação, desenvolvimento e elaboração técnica do documento final.

Permitimo-nos, ainda, deixar uma palavra a todos aqueles que, de forma directa, contribuíram para que esta candidatura chegasse a um magnífico e entusiasmante resultado. O trabalho de equipa, de investigação só foi possível com um conjunto muito particular de profissionais de grande valia técnica que vêem, neste reconhecimento da Unesco, o devido elogio ao seu esforço e competência. Felicitações para todos.

Espaço d’Arquitectura voltará ao seu encontro no próximo mês.
*Arquitecto

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Inteligência é sexy

Cláudia Aranda

 

O filme “Jobs” estreou em Hong Kong e em Macau dia 19 de Setembro, um dia antes da Apple fazer um mega-lançamento mundial dos dois novos modelos do iPhone, o 5S e o 5C. Pela primeira vez a marca de computadores criada por Steve Jobs e Steve Wozniak em 1976, pôs à venda, no mesmo dia, novas versões do iPhone, nos Estados Unidos, Austrália, Canadá, em França, Reino Unido e Alemanha, Japão,  Singapura, China e em Hong Kong. Macau ficou de fora de toda esta megaoperação de vendas da Apple. Entretanto, no resto da China, fizeram-se filas à porta da loja da Apple em Pequim e em Hong Kong. Sexta-feira, 20 de Setembro, feriado nacional na China, foi o primeiro dia destinado ao levantamento das encomendas para os que tinham feito o pedido online. Na loja do centro comercial IFC, na baixa de Hong Kong, empregados vestidos com t-shirts de cor azul batiam palmas de cada vez que um cliente entrava para receber e pagar a caixinha contendo um dos novos modelos do iPhone 5. Uma grande maioria de público, no entanto, limitava-se a ver e manusear os aparelhos em exposição na loja. Outros como eu, optaram por ir ver o filme, “Jobs”. Ou melhor, ir ver o actor Ashton Kutcher, a encarnar o Steve Jobs. Consta que o ex-modelo e ex-marido de Demi Moore – conhecido pelos papéis de “male bimbo”, ou seja, rapaz bonito mas meio tonto, num rol de filmes e de séries de TV (incluindo “Dois Homens e Meio”) – deu tudo por tudo para convencer o realizador Joshua Michael Stern a dar-lhe este papel. O actor de 35 anos fez a dieta à base de fruta de Steve Jobs, para perceber o grau de disciplina que Jobs se impunha a si mesmo, estudou durante horas os maneirismos de Steve, emergiu totalmente no personagem. Kutcher queria honrar o seu ídolo, Steve Jobs, encarnando-o da forma o mais fiel e honesta possível.  Além disso, Kutcher é parecido fisicamente com Jobs.  E depois de uma vida inteira a fazer papéis de “male bimbo“, eis que Kutcher anunciou a uma multidão de adolescentes, na altura do lançamento do filme nos Estados Unidos, que “ser inteligente é sexy”, agitando blogues e imprensa americana. O filme arranca com um Ashton Kutcher/Steve Jobs mais velho, de barba grisalha, olhar fixo, penetrante, uma versão bastante realista de Jobs (a ver pelo manancial de fotos disponível na Internet ) no momento do lançamento do iPod, em 2001, na Apple Town Hall Meeting. Kutcher/Jobs consegue convencer e arrebatar a atenção do público desde logo.  Kutcher imita o andar desajeitado de Jobs, sabe colocar o olhar sonhador e visionário do jovem hippie que regressa de uma viagem à Índia. Mas, também, sabe adoptar uma postura mais calculista e avaliadora, à medida que o enredo se vai desenvolvendo. A representação parece muito próxima da imagem que se poderá ter do homem que ajudou a desenvolver a linha de computadores Mac e os conceitos iPod, iPad, iTunes. O problema está mesmo no argumento, com demasiados clichés. O filme mostra desde o génio ao canalha que havia em Jobs, um sonhador com ideias brilhantes, que sabe como convencer e vender os seus projectos, que engana os amigos se for preciso e rejeita a paternidade da primeira filha.  O filme começa em estilo épico a contar os primeiros dias de Jobs e amigos a montar protótipos na garagem dos pais adoptivos, o momento em que Jobs encontra o nome “Apple” para a empresa, a viagem à Índia. A partir daí, quando a maçã se torna um símbolo icónico da tecnologia de vanguarda, o filme entra em modo de narrativa acelerada exibindo um mini-resumo da vida de Steve Jobs, os fracassos, os sucessos, o casamento, a readopção da filha renegada, a expulsão e reintegração na Apple sem que se perceba muito bem quem foi o homem por trás do ícone. Faltou conhecer o lado espiritual do sujeito inteligente, seguidor de Budismo Zen, que lhe deu a habilidade para comunicar com o consumidor, cruzando linguagens, espiritualismo e tecnologia, para criar uma filosofia e uma iconografia, associada a toda a tecnologia Apple. Entretanto, ainda não há notícias sobre quando as novas versões do iPhone 5 vão poder ser adquiridas nos revendedores da marca em Macau. Mas, encaremos este desprendimento da Apple em relação aos consumidores de Macau como um factor positivo. Podemos ser pragmáticos e, desta vez, resistir às campanhas de marketing. Ter inteligência é bem mais sexy, palavras de Ashton Kutcher.

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E o inglês em Macau?

Ana Paula Dias*

Praticamente todos os dias surgem notícias nos vários meios de comunicação social sobre a vitalidade do português: ora são cursos que abrem e universidades que passam a disponibilizar a opção de estudar a língua, ora cresce exponencialmente o número de alunos interessados, ora é o domínio deste idioma que vai abrir novos mercados à China, com Macau a servir de “plataforma”. Não posso, no entanto, deixar de pensar num excelente artigo intitulado “Um Macau ”Imaginado” em língua portuguesa”[1], no qual a objetividade e lucidez da autora traçam um retrato bem mais realista do panorama do português em Macau  do que a euforia das notícias faria supor.

Mas não é a situação do português que pretendo aqui abordar e sim a do inglês. Com efeito, os dados dos Censos de 2011 revelaram que, quanto ao domínio de outras línguas para além da língua materna, 41,4 por cento da população de Macau falava mandarim (representando mais 14,7 pontos percentuais em comparação com 2001), enquanto 21,1 por cento falava inglês e 2,4 por cento português.

Vários fatores contribuem para que o inglês tenha esta expressão no território. Timothy Simpson, investigador da área do urbanismo comparativo, fornece pistas importantes para a compreensão da especificidade de Macau, que refere como “the oldest European colony in Asia recently reunited with China’s pos-Maoist, market-socialist economy”[2]. Salienta que se trata de uma cidade que não produz nada de tangível, para além do ambiente construído, desenhado com o objetivo de atrair turistas não-locais e internacionais. Estes cerca 30 quilómetros quadrados são a região mais densamente povoada do mundo e, de acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos de Macau, depende quase exclusivamente do consumo efectuado pelos turistas, em actividades relacionadas com jogo, compras, passeios turísticos e lazer. Acrescenta Simpson que a viabilidade económica de Macau depende totalmente dos visitantes temporários, dos turistas e dos trabalhadores migrantes que asseguram os variados serviços turísticos.

É neste contexto que os trabalhadores filipinos predominam em Macau, ascendendo o seu número a cerca de 20 mil. São o maior grupo de estrangeiros não-chineses no território e o grupo que detém as habilitações mais elevadas e a menor taxa de analfabetismo. É precisamente o seu domínio da língua inglesa, a sua disposição para a adaptação intercultural e a sua capacidade para comunicar numa língua internacional que lhes assegura trabalho fora do seu país, nomeadamente em Hong Kong e em Macau. A sua estabilidade advém da sua flexibilidade laboral e adaptabilidade linguística; é frequente deparar com pessoas de nacionalidade filipina a trabalhar em áreas muito diversas das da sua formação inicial.

Manuel Noronha e Ian Chaplin, investigadores da Universidade de Macau, referem que os filipinos são uma parte significativa da força laboral de Macau e que as mulheres filipinas, maioritariamente empregadas domésticas, são escolhidas por famílias chinesas e portuguesas, precisamente pela sua capacidade de comunicação intercultural e domínio do inglês. Muitas trabalham como amas e são “important Englisg language providers”  em Hong Kong e Macau.

No entanto, como os turistas que visitam Macau são sobretudo chineses e asiáticos, o domínio de línguas estrangeiras por parte dos residentes e dos trabalhadores locais não é sentido como essencial. Enquanto que a proficiência bilingue inglês-chinês é entendida como uma mais valia em termos educacionais e profissionais em Hong Kong, esta visão não se reflete na oferta do sistema educativo local, pois desde que se verificou a expansão da indústria dos casinos (cujo alvo é maioritariamente a China Continental) a proficiência em chinês é a mais valorizada pelo mercado de trabalho. Um inquérito recente ao mercado de trabalho dos casinos revelou que 88,8 por cento dos anúncios de emprego referenciavam como condição de selecção o domínio do chinês e apenas 54,5 por cento o inglês.

Não obstante, o inglês é a língua utilizada no sector do turismo para comunicar com estrangeiros não falantes de chinês, sendo por isso associado a necessidades de trabalho; é usado na hotelaria, na banca e até no setor público, para facilitar a comunicação intercutural. Os empregadores recorrem frequentemente a trabalhadores não-chineses que dominem inglês e há um número significativo de minorias étnicas a desempenhar funções não-qualificadas e qualificadas que implicam o conhecimento desta língua.

Também Denise Pacheco[3] a este propósito refere que a complexidade do território é cada vez mais acentuada em função do acelerado crescimento da indústria do turismo, que provocou, em consequência, um aumento de imigrantes. Neste contexto plurilingue existe o reconhecimento público da importância do inglês como língua de sobrevivência e de trabalho, mas apesar do grande avanço no sector turístico, a proficiência de grande parte da população no inglês não é ainda a desejável, facto facilmente constatável quando se tenta falá-lo na região.

Apesar de tudo, o processo afigura-se irreversível, tendo em conta o estatuto da língua no cenário internacional. O inglês tem vindo a ser usado como língua veicular internacional em diversas instituições locais, durante reuniões e eventos realizados em vários estabelecimentos de ensino; funciona, a par do chinês, como língua “oficial” de trabalho na comunicação oral e escrita nessas instituições.

Como Sheldon Shaeffer, diretor do Gabinete Regional da UNESCO para a Educação na Ásia e Pacífico destacou “Language is the key to learning. It is woven into the fabric of individual and group identity. Who we are is intimately linked with the language or languages we speak. Research demonstrates many cognitive advantages to those people who speak more than one language. Language diversity, then, is one of the world’s great human resources.”

No caso de Macau, onde o chinês e o português são línguas oficiais e onde a população fala maioritariamente cantonês, sendo o mandarim (não obstante o seu estatuto de língua oficial na Repúblicas Popular da China) a língua segunda mais falada e o português apenas falado por 4 por cento da população, esta aprendizagem reveste-se de especial importância – porque embora a língua chinesa seja a mais falada no planeta, não é a mais difundida, encontrando-se confinada a um espaço geográfico específico, para além de ter um sistema de escrita logográfico, o que coloca óbvias limitações à comunicação além fronteiras.

Veja-se o caso dos filipinos…

 

*Investigadora da Universidade Aberta

(A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico) 

[1] Cristina Água-Mel.

[2]  “Macao, capital of the 21st century?”, 2008.

[3] Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Difusão da língua portuguesa, no 39.

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De volta ao aperfeiçoamento

Maria Caetano 

Em 2008 Macau reviu a sua legislação eleitoral tendo como objectivo específico o combate à corrupção junto às urnas de voto e a consolidação de um sistema que permitisse pensar em eleições limpas, justas e imparciais. Na altura, a secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, admitia que a lei era boa, não perfeita no entanto, e que qualquer proposta de reforma política – o que veio a suceder em 2012 – teria de partir da referida melhor base legislativa.

A lei foi alterada, a reforma limitada, e, hoje, após a votação de  2013, há muito quem seja tentado a dizer que o sufrágio universal ainda não encontrou os seus dias, esperando-se por oportunidades melhores. A corrupção – se não essa preto no branco, pelo menos algo de muito parecido – e o controlo de voto mantiveram-se como uma das mais evidentes características do processo eleitoral. Foram visíveis, palpáveis e indiscretos.

E agora? E agora, face aos muitos vícios do sistema ou das pessoas, vamos lá novamente aperfeiçoar a lei. Florinda Chan já disse que o relatório final do processo terá sugestões para o Chefe do Executivo. Vasco Fong, comissário contra a Corrupção, tem ideias mais específicas, felizmente, e que podemos conhecer antes que se perca o ensejo e memória do que foi este acto eleitoral.

O comissário, que já passou pela supervisão eleitoral e que, também, já teve um relatório e sugestões a apresentar ao Chefe do Executivo nessa ocasião, sugere – e bem – que se clarifique o que as operadoras de jogo podem e não podem fazer durante o processo eleitoral. E que se perceba efectivamente a relação entre associações e comissões de candidaturas. Além disso, que se permita pré-campanha.

Ponto a ponto, há subsugestões que podem ser feitas, com uma grande adenda porventura nunca mencionada nas discussões de balanço dos processos eleitorais. Esta que se antecipa já e que não obriga a qualquer revisão de diplomas: nas próximas eleições, 2017, os funcionários da Comissão de Assuntos Eleitorais que estão de serviço às assembleias de voto podem cruzar a rua e pedir, amavelmente, aos senhores que anotam intenções e consumações de voto ao serviço de uma lista qualquer que vão dar o ar da sua graça para outro lado qualquer. É bom para esticar as pernas e desanuviar da sala de voto. Se amabilidade não chegar, façam o dia de um agente da PSP e chamem-no a participar. Afinal, “eleições limpas dependem de todos”.

Quanto à pré-campanha, há mais a fazer pela Comissão de Assuntos Eleitorais do que propriamente pela lei. Quem tinha dúvidas e foi confirmar encontrou artigos distintos para regulamentar a publicidade comercial e o tratamento informativo das plataformas políticas. No primeiro, diz-se que a publicidade comercial das listas é limitada fora do período oficial de campanhas. Quanto à informação, não há qualquer tipo de constrangimento temporal, apenas a obrigação de tratamento das listas com equidade pelos órgãos de comunicação social.

Ainda assim, o órgão responsável pela supervisão eleitoral deixou durar a percepção errada de que entrevistar um candidato fora do período de campanha era uma espécie de ilegalidade. Os media, presume-se, sabem bem como distinguir os conteúdos publicitários e informativos.

Já agora faça-se pela mesma comissão o favor de lembrar que sobre as listas em campanha recai o princípio de liberdade e responsabilidade pelo que dizem e o que escrevem, nomeadamente, nos seus programas. E que apenas na difusão dos tempos de antena a lei prevê a suspensão por supostos conteúdos ofensivos. Não cabe a esta comissão zelar pelo bom senso, juízo, realismo, etc., das plataformas.

Relativamente às ditas subsugestões, há alguma coisa que a lei possa fazer pelos trabalhadores da indústria de casinos que, subtil e habilmente, são coagidos a envergar camisolas, frequentar comícios e fretar autocarros dos patrões em dia de ida às urnas? Se assim for possível será óptimo.

Quanto ainda à distinção entre comissões de candidatura e associações políticas, há alguma afinação legal que leve as associações com propósitos políticos a assumirem-se como tal e a manifestarem perante os eleitores a sua proveniência? E há também como garantir que o financiamento delas proveniente em tempo de campanha é justamente agrupado como despesa de campanha? Se assim for, melhor ainda.

Mas, sobretudo, e perante tantas alegadas zonas cinzentas, já seria bom que quem tem competência de fiscalizar sentisse um assomo de clarividência para a executar a lei que existe, vigiando e punindo sem estar dependente de denúncias.

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