A Questão de Deus

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Estes dois Domingos, tanto o da  Santíssima Trindade, o passado, como o próximo, o do Corpo de Deus, colocam-nos diante daquilo a que podemos chamar a ‘Questão de Deus’.  O primeiro revela-nos que o Deus único é constituído por três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Enquanto que o segundo nos revela que Jesus Cristo, o Filho de Deus, se faz presente sempre que celebramos a Santa Missa. O ‘Corpo de Deus’ torna-se real e  verdadeiro sobre o altar.  Tal como aconteceu com Maria, Mãe de Jesus, temos que acreditar que «a Deus nada é impossível» e, humildemente,  responder: «Faça-se em mim segundo a tua palavra.»

Mesmo na revelação e compreensão do Mistério de Deus trabalha a interrelação do humano com o divino. No entanto e em verdade, não se pode esquecer que o divino perrmanece sempre para além das capacidades humanas. Verdade é  também, por outro lado, que Ele, o divino, jamais esmaga a aspiração intrínseca e profunda da natureza  humana de conhecer a Verdade,  mesmo a Verdade de Deus. Há sempre um ‘mais’ que o divino tem para além do humano que este não consegue atingir. Por  mais elevada que seja a sua intimidade com Deus, o ser humano permanecerá sempre aquém do seu Deus.

Então, poder-se-á  falar das ‘provas’ da existência de Deus ? Faz ainda sentido argumentar com as clássicas e tão universalmente conhecidas ‘vias’ de São  Tomás? É inegável a genialidade de Tomás de Aquino como filósofo e teólogo. A sua obra ‘Summa Theologica’ não tem comparação com nenhum  outro escrito ou tratado sobre Deus  na História da Igreja ou na História das Grandes Religiões. Contudo, por mais perfeita  que seja a lógica do seu  raciocínio e a penetração finíssima da sua compreensão do Mistério de Deus, tudo permanece sempre e simplesmente, como uma ‘via’ ou  um ‘caminho’ para alcançar,  pela razão, um maior entendimento sobre a existência de Deus. Percebemos, porém e apesar de tudo, que ‘a via intelectual’ tem também as suas insuficiências e não responde, com toda a certeza e cabalmente, aos  problemas levantados para provar a existência de Deus.

Assim, o salto da fé continua a ser necessário. O sim, o «fiat» de Maria é fundamental. Todo o  homem, toda a mulher,  ambos têm de  abandonar-se,  totalmente, nas mãos de Deus, crendo.

É neste contexto da «sede de Deus» ou da procura de «toda  a verdade»  sobre Deus existente em  nós,  seres humanos,  e  na consciência de que somos limitados  nessa busca,  que me  atrevo a apresentar uma outra perspectiva sobre a existência de Deus, mais existencial e do foro  psico-afectivo.

O  desenvolvimento do  nosso corpo e a história que o acompanha  faz-nos compreender três grandes e bem definidos momentos da nossa existência: filho ou filha, homem ou mulher , pai ou mãe. Não só o corpo faz a diferença entre eles, mas também e,  sobretudo,  o coração e o mundo dos seus sentimentos. O filho ou  a filha recebem amor;  o homem ou a mulher, maturos,  recebem e dão amor; o pai ou a mãe dão sem esperar receber amor.

Acontece, porém, que o sentido profundo de filho ou filha nos abre à realidade de Deus  Pai, de homem ou mulher a Jesus Cristo, o Amigo e Senhor, e, finalmente, de pai ou mãe  somos movidos pela força do Espírito Criador e Divino. O que significa que a nossa humanidade expressa intrinsecamente a presença de Deus Santíssima Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo

Uma outra realidade. O fogo da Angústia Existencial de que nenhum ser humano se escapa de experimentar no decorrer do seu viver neste mundo,  com os seus desejos e  ‘sede’,  não correspondidos, de apreciação e verdade, de afeição e amor, de segurança e vida e,  ainda,  de perfeição e beleza, só será saciado no fogo do Amor Divino.

 

Luis Sequeira. Jesuíta. Antigo Superior da Companhia de Jesus em Macau. Escreve neste espaço às sextas-feiras.

 

 

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Dia da África 2016

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L’Afrique doit redevenir l’Afrique.

Cheikh Anta Diop

 

Olha-se para a África, com sentido de pertença e de engajamento. Por isso, com sentido crítico. Olha-se para o Continente que celebra, no dia 25 de Maio, o Dia da África, com otimismo responsável, sem recusar o “orgulho africano”, nem aceitar o esmorecimento diante do destino presente e premente de mais de 1,1 mil milhões de africanos e centena de milhões da sua diáspora.

 

Centra-se um demorado olhar pelas diferentes dinâmicas, já que o Continente, sendo plural e diverso em suas realidades, com as suas funcionalidades e disfuncionalidades, com as suas congruências e incongruências, requer dos africanos um olhar próprio, de não incorporação acrítica dos olhares outros (não negligenciáveis, diga-se) sobre a África. Um demorado olhar, diríamos, para além desta efeméride e deste jubileu. Que novos (e outros) discursos, para além do puramente celebrativo e estival, devemos, nas atuais circunstâncias, reformular? Com que óculos devemos olhar para a África e com que sintaxe devemos montar as nossas elucubrações e elaborações?

 

Antes de mais, serenidade, muita serenidade. Apearmo-nos de uma espécie de otimismo inconsequente e pararmos de “mistificar as realidades” em projeções mirabolantes, sendo que estas não se sustentam diante das realidades.

 

Por conta do olhar enviesado, um discurso afirmativo insiste que, dos 20 países que mais crescem no mundo, 10 estão na África, e que, por isso, o pesadelo, o longo pesadelo imposto pelo colonialismo, havia terminado, foi posto a circular um pouco por todo o Mundo. O discurso dos “novos tempos”, claramente exagerado e recorrente, previa para 2015 o mesmo crescimento médio da China e, com esta previsão tão-somente, incorporava-se todo um ideário da África Insubmissa – numa leitura pouco complexa da tese inovadora de Achille Mbembe -, como se o surto do crescimento económico de per si e o enunciado do devir fossem a panaceia para os grandes males prevalecentes.

De permeio, o próprio crescimento económico da África Subsaariana desacelerou-se e reduziu-se à taxa média de 3,3%, em 2016 (número bem abaixo do aumento médio de 6,8% do Produto Interno Bruto, registado entre 2003 e 2008). Note-se que o surto, entre outras coisas, agitou, numa cadeia de reações, a classe média de modelo ocidental, o olhar com otimismo irrealista, o discurso eufórico e o consumo desenfreado.

Entrementes, os desafios (internos e externos, senão mesmo globais) estavam ali a condicionar as economias subsaarianas, por conta do agravamento das secas, de pontuais instabilidades governativas, de acentuadas tensões sociais e de instabilização das commodities, reduzindo os termos de troca da África em 16 % neste corrente ano. Mercê de tais retrações e revezes, sabe-se que tudo anda agora muito longe do crescimento de qualidade e do desenvolvimento sustentável que se almejaria para o Dia da África 2016. O crescimento económico, mesmo aquele do curto período áureo, por si só não se revelaria suficiente para reduzir a pobreza, combater o desemprego persistente, as desigualdades de renda e a deterioração da saúde e educação. As divisas estrangeiras entraram em dinâmica de rarefação e pressente-se o desinvestimento em alguns sectores produtivos.

E, como tudo é dialético, novos discursos emergem das realidades dos países africanos. Que a África não se confine às economias pesadas e de matérias-primas exportáveis, mas sim reencontre as suas várias potencialidades e alargue, diversificando, a sua produção económica, não se negligenciando de ‘lapidificar’,  em tal contexto, o seu capital humano. Que a África não se confine ao “hard power”, mas entre na corrida pela afirmação e valorização do seu “soft power”, eis a questão. Através do conhecimento, da ciência e da tecnologia, bem como do Humanismo, no emaranhado dos seus intangíveis, como a Cultura, a determinarem, em última instância, a resiliência, a competitividade e a prosperidade.

É tempo, em 2016, de evoluirmos sobre o lugar mítico da África como ‘eterno’ Continente do Futuro, já que esta verdade por si só não nos empresta vantagens competitivas, e instalarmo-nos, com mais causa e mais consequência, no conceito de espaço do Humanismo (com soberanias cooperativas, democracias funcionais, liberdades individuais e desenvolvimentos como objetivos), olhando, com inteligência criativa, para o Continente que, em 2050, alcançará os 2 mil milhões de habitantes. Transmigrar da exclusividade do “hard power” para a incorporação do “soft power” exigirá o fortalecimento das sociedades civis africanas e revisão ideológica das elites em prol de novas (e outras) formas de vidas não subalternas e não marginais para a larga maioria dos africanos. A crítica para nos defendermos da crise ininterrupta, porque, hoje, esta transcende a herança colonial e se densifica não só pela ordem mundial, mas também pelas ordens nacionais.

 

Assumamos a crítica como o antídoto à crise, posto, lato senso, esta tornar-se-ia crónica (e quiçá estrutural) na ausência daquela. Saibamos engendrar, com forte sentido das nossas soberanias e das nossas identidades, uma crítica das nossas “razões africanas”, suscetível de fazer um diagnóstico real (e realista) das situações do subdesenvolvimento e de promover um quadro de transformações rumo ao desenvolvimento sustentável, ao regime do direito e das liberdades, à qualidade de vida para todos.

 

Isso significa que devemos um novo olhar para a sustentabilidade ambiental, a educação de qualidade, a produtividade agrícola, mineral e energética, a industrialização tecnológica, a reformatação da economia informal em fiscal, o reforço da massa financeira (como elemento de investimento interno e externo) e o crescimento com qualidade (baseado em políticas sociais inclusivas, que buscam reduzir as desigualdades).

 

“Quand parlera-t-on de Renaissance africaine ?”, perguntou Cheikh Anta Diop. Responde-se em dia como o de hoje. Que o Dia da África 2016 abra espaço de reflexão e debate sobre estratégias de desenvolvimento sustentável, subsidiando os decisores para recentrarem, entre muitos, em dois objetivos alargados  (global e continental), para cada país africano, respetivamente os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, preconizados pela ONU, com meta de realizações socioeconómicas e ambientais no Horizonte 2030,  e a Agenda 2063, preconizada pela União Africana, uma iniciativa de 50 anos para a alavancagem dos segmentos da sociedade africana na construção de uma África próspera e unida.

Olha-se para a África, a poder ser próspera e unida, com sentido de pertença e de engajamento. Por isso, com sentido crítico, pois este é o momento de uma Agenda de Transformação para a Renascença Africana.

 

Filinto  Elísio, Cronista e Poeta Cabo-verdiano.

 

 

 

 

 

 

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O Ouvidor Ocidental: Os impérios do mar e da terra

 

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Sem o mar os portugueses ter-se-iam perdido no labirinto terrestre da Península Ibérica. Ficariam reféns das fronteiras que não descortinaram nos oceanos, últimas fronteiras de todos os sonhos. Em 1803, o bispo de Macau escrevia para Portugal: “Assim tudo em Macau anda a risco do mar”. É mesmo Charles Boxer que o cita, ele que, não por acaso, fala do império marítimo português. As palavras do bispo tinham a ver com a vulnerabilidade de Macau, e de outros portos ocupados pelos portugueses, face às forças da natureza. Fugindo de terra, os portugueses sabiam que ela garantia segurança. Mas, por outro lado, foram percebendo que a natureza tem as suas próprias leis que poucas vezes se encaixam com as que os homens desejam. Quando enfrentaram o mar não descobriram apenas sereias encantadoras. Deram de caras com Adamastores vários e com a fúria das marés, da chuva e dos ventos que nunca conseguiram dominar. Tentaram ser deuses, como Camões muito bem explicou, mas a maior parte das vezes foram meros seres impotentes face a poderes que desconheciam.

Não foi por acaso que os marinheiros portugueses, nos primeiros tempos, sempre preferiram navegar com vista para terra. Para muitos europeus, habituados à protecção de um mar interior como era o Mediterrâneo, o Oceano Atlântico era um mundo sem fronteiras. E sem margens conhecidas. Mas era uma massa de nevoeiros e de criaturas marítimas desconhecidas. Os portugueses acabaram por estabelecer uma nova mitologia. O temível oceano deixou de ser um monstro que tudo derrotava. Passaram para o outro lado do espelho. E as ilhas míticas sonhadas pela ficção grega ou romana tornaram-se reais. Conquistando o mar, os portugueses fizeram por esquecer a terra de onde vinham, que era pobre e sem destino.

Para desafiarem os ventos e os nevoeiros os portugueses tiveram um portento tecnológico para a época. A caravela, desenvolvida a partir da década de 1440, era um barco suficientemente forte e manobrável para desafiar todos os Adamastores do mundo. Era um barco ligeiro, de 60 a 70 toneladas e com 20 a 30 metros de comprimento. Com um único convés, tinha dois ou três mastros e velas redondas, que eram ideais para viajar pelo desafiante oceano. Era o fruto de uma nova experiência: afinal as velas triangulares eram opções muito melhores para utilizar nos estuários ou junto à costa. As caravelas foram pontas-de-lança para as primeiras aventuras oceânicas, na Madeira, nos Açores, em Cabo Verde, algo que permitiu ganhar fôlego para outras viagens como a que, depois, Bartolomeu Dias fez para transformar a identidade do Cabo das Tormentas em Cabo da Boa Esperança. O mar tornou-se a linha da vida do destino dos portugueses, fosse por causa do comércio, da fé ou, simplesmente, da sobrevivência longe da Europa. Não deixa de ser curioso confrontar a tecnologia portuguesa das caravelas com a dos 300 barcos do almirante Zheng He que, em 1405, se fizeram ao mar, rumo ao Sudoeste Asiático e ao Índico. Durante três décadas o império Ming iluminou as águas orientais. Estes barcos faziam as caravelas portuguesas parecer formigas sobre a água: eram três a quatro vezes maiores. Em 1440 os destinos de Portugal e da China tomaram rotas diferentes: os portugueses conquistavam o oceano, os chineses viraram-se para o seu império terrestre, olhando para as fronteiras, sentido a terra debaixo dos pés. Outra coisa os separava: o comércio, para os chineses, era uma actividade criminosa. Para os portugueses era a liberação das grilhetas ferrugentas da terra. Os portugueses, ao deixarem a costa, e ao embrenharem-se no mar, para ladear o Cabo das Tormentas, cortaram finalmente a derradeira ligação a terra. O mar era o seu paraíso, a sua ilha de todos os amores. O mar passou a ser o centro de tudo no seu paradigma, como mostrava a cartografia genial desses séculos XV e XVI. A terra passava a ser secundária. O mar era o centro do mundo. Para a China o império do centro tinha a ver com terra. Talvez isso seja lógico para uma nação já com dezenas ou centenas de milhões de seres e outra que era como uma aldeia chinesa. Para os grandes impérios a terra unia. Para Portugal era o mar o centro de unidade. Não foi por acaso que os portugueses só muito tarde – em finais do século XIX – se aventuraram no interior de Angola ou Moçambique. Os portos ou feitorias, junto ao mar, eram as suas lingas de sangue, que permitiam o contacto com todos os centros do império marítimo. A terra do interior era mais difícil de defrontar do que o Adamastor. Era o mar que definia a estratégia imperial. Não foi por acaso que, em princípios do século XVII, Frei Vicente de Salvador, dizia que os portugueses do Brasil eram como caranguejos, por estarem sempre muito próximos da linha da costa. Isto quando estavam em terra, a olhar para os confins do oceano.

 

Fernando Sobral, jornalista e escritor. É o autor de “O Segredo do Hidroavião” e de “As Jóias de Goa”.

 

 

 

 

 

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A propósito de “MACAU SÉCULO XXI – 澳门廿一世纪”

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Foi lançado no passado dia 15 de Maio, no Clube Militar, o livro Macau século XXI, uma iniciativa editorial da Liga da Multissecular Amizade Portugal-China, sobre os 15 anos da história da RAEM, que contribuirá seguramente para o conhecimento da história recente de Macau, numa perspetiva de portugueses que nasceram ou vivem já há alguns anos na Região e aqui dão o seu contributo profissional quotidiano, nas suas áreas respetivas. A autoria e coordenação do projeto foi do Coronel Aniceto Afonso, historiador de história militar e da colonização portuguesa e no qual Rogério Beltrão Coelho, de todos conhecido pela longa e prestigiada atividade editoral na área da difusão da história de Macau, teve um papel essencial de intermediação com os diferentes colaboradores locais para a feitura do livro, nas diversas abordagens à sociedade de Macau. Tais contributos levam os leitores a uma visão não apenas do passado ou do presente de Macau, mas permitem também uma visão prospetiva do que Macau poderá vir a ser nos próximos 15 anos.

O primeiro aspeto a realçar sobre o livro é o seu carácter verdadeiramente inédito. Na verdade, nunca tinha sido realizado um trabalho tão abrangente e bilingue que desse a conhecer, com rigor e qualidade, os 15 anos da RAEM, nomeadamente a forma como a diminuta mas ancestral comunidade de portugueses de e em Macau tem contribuído para uma certa singularidade, para uma abertura dialógica à intervisualidade do espaço polifónico, sincrético, mas simultaneamente ambíguo e culturalmente polissémico que é Macau. Tal intervisualidade, como referi noutro lugar a propósito da pintura de Lio Man Cheong, um notável pintor dessa polissemia macaense, não nos oferece uma leitura linear da realidade urbana e da sociedade mista de Macau. Introduz-nos, antes, um novo modo de leitura da cidade, que é a soma da multiplicidade de leituras possíveis e da riqueza de cada uma nos seus sentidos.

Num memorial da corte imperial da China pode ler-se que “os acontecimentos passados servem como um espelho da política presente”, uma asserção bastante atual que pode ainda ser aplicada a Macau. Fica-me, porém, a dúvida se o prodígio de leitura desse mesmo espelho servirá de refletor para uma política futura em Macau pelas razões que adiante enunciarei. Mas, no presente, o livro resulta numa boa ferramenta de consulta para investigadores, para leitores interessados na história contemporânea de Macau ou para curiosos que desejem tentar perceber como é possível um minúsculo recanto da China continuar a possuir uma certa face latina dentro de um país imenso que, tal como diz um ditado urbano contemporâneo de Pequim, “numa semana alguma coisa muda, num mês tudo muda”.

 

 

Vejamos agora o conteúdo da obra: o leitor dispõe, no início, de um texto historiográfico enquadrador, que permite percorrer o ciclo da história portuguesa de Macau – que é uma parte muito significativa da história do território – desde a chegada de mercadores e aventureiros a uma insignificante aldeia piscatória no delta do Rio das Pérolas em inícios do século XVI e, mais tarde, da igreja da Contra-Reforma em meados do mesmo século, até aos últimos dias do handover em finais de Dezembro de 1999 (Alfredo Dias Gomes). Propositadamente não referi um fim de ciclo português com o handover, pois a presença portuguesa em Macau continua sob a forma de uma comunidade ativa na cidade, e porque a continuidade de tal presença é também uma vontade expressa do governo central da China, inequivocamente consignada no artigo 51º do 12º Plano Quinquenal 2011-2015, reafirmada agora no 13º Plano Quinquenal 2016-2020 e já afirmada desde 2003 com a criação, em Macau, do Fórum para Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

A este propósito sublinharia que a presença portuguesa em Macau, construída e consolidada autonomamente ao longo de séculos pela comunidade de portugueses aqui residentes, nunca foi propriamente um desígnio nacional mas poderia ou deveria tê-lo sido em jeito de plataforma de conhecimento, de investigação e de refinamento de competências de intermediação com a própria China, e, sobretudo, como uma escola natural de sinologia, à semelhança da comunidade macaense – que é uma comunidade não apenas bilingue, mas sim plurilingue (chinês nas versões cantonês e pǔtōnghuà, inglês, português) e intercultural. A China, porém, no seu milenar pragmatismo, considera em pleno século XXI a presença portuguesa em Macau um desígnio da sua política externa na mediação económica, comercial, mas também diplomática e cultural, com os países de língua portuguesa, sobretudo como plataforma de criação de networks entre os tecidos empresariais e sociais dos PLP e da China, em cujos países (incluindo a China, obviamente) as PME correspondem a mais de 90% do tecido empresarial.

A obra, nas suas diferentes valências informativas, apresenta-nos distintas narrativas sobre a forma de ler a cidade: a miscegenação do pensamento urbano (Rui Leão), o seu legado e o futuro (Rui Leão e Jorge Figueira); o seu associativismo político e confessional com os respetivos ritos e mitos – com particular destaque para o papel da igreja católica no sistema educativo (João Guedes); o seu sistema político, administrativo e judicial e a particularidade do seu ordenamento jurídico de matriz portuguesa (Sofia de Jesus); a evolução da economia e a sua dependência excessiva da indústria do jogo, bem como, segundo o autor dessa secção, a morte anunciada do comércio tradicional, que era, de resto, uma das características essenciais da cidade (José I. Duarte).

A este propósito há em Pequim um outro ditado urbano contemporâneo em que, numa comparação entre Pequim e Macau, se ironiza com o trocadilho de duas morfossílabas homófonas “dŭ”, mas compostas por carateres diferentes, que significam respetivamente “tráfego congestionado” e “casinos”: em Pequim há “hěn dŭ (很堵)”; em Macau há “hěn dŭ” (很赌)! (zài běijīng yǒu hěn dŭ; zài àomén yǒu hěn dŭ). Trata-se de uma visão realisticamente pobre, mas é a visibilidade externa que Macau tem, embora, verdade seja dita, haja atualmente um esforço considerável por parte de setores do governo da RAEM como o Fórum, o IPIM, a DSE e a DST para a criação de uma imagem turística nova e diversificada de Macau.

O livro informa também sobre o sistema educativo policentrado não superior e superior que não produziu, até hoje, um projeto educativo inclusivo, intercultural e de cidadania comuns para a construção da identidade verdadeiramente multicultural de Macau, da qual tanto se fala (Rui Rocha e Ana Paula Dias). Informa ainda sobre a saúde e assistência social e das instituições respetivas numa terra de abundância (Jorge Humberto Morais). A produção artística e cultural são igualmente analisadas nos seus pontos fortes e fracos, bem como a questão do património erigido a património mundial em 2005. Aborda, além disso, a singuralidade da comunidade macaense (Cecília Jorge). No dizer de Luís Filipe Barreto, Macau é uma invenção de portugueses e chineses, mas tem sobretudo a particularidade de ter produzido e mantido ao longo de quase 500 anos uma comunidade de mediadores e de comunicadores interculturais, “ponte capaz de comunicar, ao longo dos séculos, dia a dia, entre o Extremo Ocidente e o Extremo Oriente”, embora “o seu peso e a sua função são mais silenciosos e silenciados que outros factores imediatamente mais visíveis” (Barreto, 1995).

Seguidamente o leitor acede a uma interessante perspetiva sobre a história da comunicação social em Macau, ao desafio permanente que é manter órgãos de comunicação social em língua portuguesa, com um canal de televisão na TDM e uma rádio (Rádio Macau) público-privados, mas sobretudo com a imprensa escrita, privada, com 3 jornais diários – Tribuna de Macau, Ponto Final e Hoje Macau – e dois semanários: o Clarim, propriedade da Diocese de Macau e, mais recentemente, a Plataforma, jornal bilingue que dedica particular atenção às relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Rogério Beltrão Coelho).

O livro encerra com a informação sobre a organização e prática desportivas, de caraterísticas essencialmente amadoras pelas razões que o autor enuncia com grande clareza (à exceção do Grande Prémio de Macau, de prestígio internacional), bem como sobre algumas competições também de prestígio internacional acolhidas na cidade, tais como a Maratona Internacional, o Grande Prémio Mundial de Voleibol, o Open de Golf, os Jogos da Ásia Oriental, Jogos da Lusofonia e outros (Marco Carvalho).

 

A obra integra uma série de quadros designados por “Alma de Macau”, relativos às tradições culturais chinesas de Macau, a cargo de Cecília Jorge e Rogério Beltrão Coelho e inclui, no final, uma cronologia da história de Macau que começa na Revolução de Abril de 1974 e vai até 31 de dezembro de 2014, da autoria de Rui Guerra Ribeiro e Aniceto Afonso.

Da leitura, ficam-me algumas questões, que partilho: o primeiro ditado urbano de Pequim que enunciei aplica-se a toda a China e não apenas a Pequim: na China num mês muda tudo ou, pelo menos, parece querer mudar. Macau, como parte integrante da economia da China e integrada num dos múltiplos planos estratégicos de desenvolvimento intra e inter-regionais, vai ter de pensar o que efetivamente está a mudar no que a si diz respeito.

E o que está a mudar está cristalinamente espelhado em três documentos de orientação estratégica para a região, a saber:

  • o Acordo CEPA – Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Continente Chinês e Macau, de 2003, que abrange três âmbitos económicos e comerciais, designadamente o livre comércio de mercadoria com isenções aduaneiras, a facilitação de acesso a 18 áreas de comércio de serviços no interior da China e ainda a facilitação do comércio e investimento através de 7 medidas de simplificação de procedimentos comerciais;
  • as Linhas Gerais do Planeamento para a Reforma e Desenvolvimento do Delta do Rio das Pérolas 2008-2020, assinado pelo Conselho Estatal para o Desenvolvimento e Reforma, no ano de 2008, e que integra Hong Kong e Macau no âmbito do planeamento urbanístico regional, nas redes de transportes rodoviários, informáticas e nas redes de energia, bem como nas redes de abastecimento de água, e outras áreas de atividade económica, social e cultural. Coincidentemente ou não, o final deste plano do Delta desaguará nas celebrações dos 100 anos da fundação do Partido Comunista Chinês em 2021. Há especialistas de política chinesa que afirmam inclusivamente que a China já pensa, e mentalmente já vive, em 2020.
  • e, mais recentemente, em 2011, a assinatura do Acordo-Quadro de Cooperação Guangdong-Macau entre os governos de Guangdong e da RAEM, que aponta para a criação de uma nova região económica de classe mundial e para a intensificação da integração económica mundial do Delta do Rio das Pérolas, a fábrica do mundo.

Este aparentemente silencioso programa de integração regional em que Macau se inclui vem criando, ano após ano, um modelo de livre circulação de pessoas e bens, próximo de uma mini-união europeia que abrange Macau e 10 cidades da província de Guangdong, incluindo Hong Kong, puxando Macau para um enlace pan-regional no delta do rio das Pérolas (como sugestivamente refere um dos colaboradores deste livro) que poderá vir a constituir-se como a maior megametrópole do mundo, com cerca de 350 milhões de habitantes dentro de 15 anos, quando agora o universo populacional da região ronda os 100 milhões de habitantes.

A questão para a qual nenhum português em Macau terá uma resposta imediata, mas que me parece ser um pertinente tema de reflexão, e que este livro de um modo ou outro sugere, é a seguinte: qual o papel e que desafios se abrem à comunidade portuguesa de Macau que optar por continuar a viver e a trabalhar num novo mundo que está a ser vertiginosamente construído, não sei se ali ao lado ou aqui já mesmo dentro, diante dos nossos olhos?

Rui Rocha, Director do Departamento de Português da Universidade Cidade de Macau

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O Sopro de Pak Tai: Um uigur em Macau

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Numa das minhas incursões pelo interior da província chinesa de Xinjiang, já lá vão uns bons anos, desencantei uma boleia na camioneta de uma trupe de cantores, músicos e dançarinos residentes na cidade de Kashgar, que iam em digressão. Durante quinze dias acompanhei‐os nesse seu périplo numa região que, na altura, estava interditada a todos os estrangeiros, sem excepção. Mas, passando umas vezes por tajique, outras por russo, outras ainda por elemento da companhia, consegui evitar o controlo das autoridades locais, e assim viajar mais ou menos despercebido.

Os espectáculos decorriam em velhos teatros com um charme muito próprio que, pouco anos depois, os bulldozers reduziriam a um monte de escombros, tendo sido erguidos em sua substituição caixotes de vários andares cobertos de ladrilhos brancos e vidros escuros. Nos anos que se seguiriam teria ocasião de testemunhar diversos atentados contra o património arquitectural, como seja a demolição de uma parte significativa do Hotel Qinibagh, onde fui agredido só porque tentava resgatar alguns dos livros da biblioteca que levavam em carros de mão para uma fogueira.

O fascínio que sentia pela cultura local levou‐me a aprender algo do idioma uigur, mas não o suficiente para comunicar razoavelmente. Não obstante, estabeleceu‐se entre mim e a trupe um forte elo de amizade, sobretudo na pessoa de Abdul Imit, um dos solistas de tembur, um instrumento tradicional de cinco cordas, braço comprido e som metálico. Foi na dupla condição – de uigur e músico – que Imit conseguiu ultrapassar fronteiras, actuando em Tunes, Paris, Java e nalgumas cidades do Japão, o que fazia dele um dos raros cidadãos chineses comuns naturais de Xinjiang que cometera a proeza de viajar no estrangeiro. E não fora através de qualquer conhecimento nas esferas do Partido Comunista ou por sucesso económico de mérito próprio. Apesar de jovem, Imit era já um virtuoso na arte de bem tocar esse instrumento tão determinante na execução das mokam, as sinfonias que retratam as tragédias e alegrias na história dos uigures.

«Todos os mokams reunidos perfazem mais de trinta horas de música», dizia ele. Falava disso e de outros aspectos da cultura do seu povo, sempre que o visitava na sua modesta casa situada no complexo habitacional que rodeava a escola de música. Na China de então, os artistas – músicos, dançarinos, actores ou pintores – viviam sempre nas imediações dos locais de trabalho ou de estudo.

Abdul Imit prezava os costumes antigos que vale a pena guardar, nunca se esquecendo de apresentar ao visitante um jarro com água morna, para que este lavasse as mãos antes de beber o chá e comer o pão de rosca ou o melão que lhe eram oferecidos, como manda a tradição. Vivia para o tembur e para o filho de cinco anos que transportava no selim da bicicleta sempre que ia ao mercado fazer as compras caseiras. Nas horas livres, interessavam‐lhe os livros de História e Geografia, mas também os episódios sagrados do Alcorão. As ruidosas comezainas e bebedeiras dos amigos deixavam‐no com um sorriso ao canto da boca e os olhos semicerrados, como quem dizia, «já dei para esse peditório». Alheio a vedetismos, Imit dedicava‐se de corpo e alma ao instrumento que elegera, costumando tocar o Bella Ciao e fazendo algumas incursões despretensiosas no universo musical ibérico. Foi com espanto que o ouvi tocar Abril em Portugal, com todo o sentimento de um guitarrista de fado, apesar de estar longe de saber que executava uma cantiga portuguesa.

Graças ao amigo Imit tive também o privilégio de presenciar um casamento uigur. De madrugada ainda, uma pequena orquestra dirigiu‐se à casa da noiva para animar os convivas que, ao longo de toda a manhã, aí se juntaram para bebericar chá e saborear o pulau – arroz de cenoura comida à mão –, o pão com cebola e o delicioso melão. Da parte de tarde visitou‐se a casa do noivo, onde igual confraternização teve lugar, com a devida música, comida e bebida. Muito discretamente, num dos recônditos da casa, e só para a rapaziada mais chegada, era servido o tão cantado e semiproibido ak arak, potente aguardente local.

Chegado o crepúsculo, os amigos do noivo partiram com ele nas traseiras de um camião, fazendo soar cornetas e tambores pelas ruas da cidade, ao mesmo tempo que lhe gritavam aos ouvidos insultos amigáveis. Era a despedida de solteiro. Quanto mais barulhenta e estridente, melhor era a festa.

As mudanças entretanto operadas na China permitiram a Abdul Imit retomar as suas andanças, e qual não foi a minha surpresa quando, volvida década e meia, vejo o seu nome na lista da trupe de músicos do Xinjiang que se apresentaria esse ano no Festival de Artes local. Estávamos em finais de Abril, e foi com uma enorme alegria que revi esse amigo de longa data, fazendo questão que ele tocasse de novo ao tembur o Abril em Portugal, desta feita em Macau.

Joaquim Magalhães de Castro. Escritor e investigador da expansão portuguesa. Escreve neste espaço às quartas-feiras.

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Sentido da realidade e sentido de Deus

1.Luis Sequeira

Na passada semana celebrámos a Ascensão do Senhor. No próximo Domingo recordamos a Festa do Espírito Santo, aquele que o Senhor Jesus prometeu enviar, depois da Sua subida aos céus. «Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi elevado ao Céu», assim se expressa o Evangelho de S.Lucas.  Sobre o mesmo facto, porém, os Actos dos Apóstolos revelam outros pormenores, quando declara que «… e estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava, apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: ‘Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O  viste ir para o Céu.»

Estas  passagens do Novo Testamento que, à primeira vista,  poderão parecer que nada têm a ver connosco, com o nosso dia a dia,  deixam-nos,  afinal e  bem ao contrário das nossas primeiras reacções, perante uma realidade que não podemos nem devemos  procurar ignorar. É  necessário saber  viver a nossa vida quotidiana com  ‘o sentido da realidade’, ‘ter os pés na terra’. É também igualmente necessário encarar  sempre a vida com ‘um toque de Deus’ e  ‘sentido de eternidade’.

Contudo,  não nos podemos deixar cair nos extremos,  nem no espiritualismo nem no materialimo. Somos tão espirituais, tão piedosos, tão obsessivamente de Deus que perdemos a noção da realidade que nos circunda,  daquilo que somos  verdadeiramente e Deus torna-se um tirano, fruto da nossa imaginação em desiquilibrio. Por outro lado, um apego compulsivo e desenfreado às coisas materiais, aos  bens de consumo e ao bem-estar, à boa e ‘dolce vita’, torna-nos superficiais, mundanos, sem o sentido ‘ das coisas do alto’. Torna-nos incapazes de perceber ‘a presença amorosa de Deus’ no decorrer normal e natural da nossa existência.

Mulher ou Homem, viver a sua existência com grande ‘sentido da realidade’ e sentido da sua ‘circunstância’,  e viver  igualmente essa mesma existência com profundo ‘sentido de Deus’, ‘sentido de eternidade’,  é viver  também,  estou convencido, pela força do Espírito Santo, aquele mesmo que nos é apresentado neste Domingo.

Todo o esforço humano à procura da Verdade e da Justiça,  do Amor e da Solidariedade,  da Reconciliação e da Paz, da Compaixão e do Perdão e da Beleza e da Perfeição  participa, consciente ou inconscientemente, da força e poder do Espírito de Deus.

Mas,  Jesus Cristo vai mais longe e declara : «O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo que Eu vos disse.» Assim, o Espírito Santo abre-nos à  experiência íntima de Deus Criador e Senhor do Universo e revela-no-Lo como Pai.  O próprio Jesus acrescenta que o Espírito Santo ensinará tudo e toda a Verdade sobre Ele mesmo.

Segundo o Mestre toda a pessoa humana tem não só a capacidade de chegar ao conhecimento de Deus mas possui, natural e intrinsecamente, também a inclinação e aspiração  para a intimidade com Deus.

 

 

Luís Sequeira, Jesuíta e antigo Superior da Companhia de Jesus em Macau. Escreve neste espaço às sextas-feiras.

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Administrando riscos políticos

 

1.Impeachment

Para que servem as Constituições? Há respostas dos mais variados matizes legais e políticos. Alguns diriam que as Constituições servem para frear o impulso das maiorias de seus previsíveis excessos e patologias. Outros diriam que servem para estimular princípios morais (v.g., a liberdade e a dignidade da pessoa humana) ou, então, para “desenhar a democracia” e estruturar os Poderes, as instituições de Estado, tais como o Judiciário, o Ministério Público, o Fisco e as Forças Armadas.

 

Em inovadora abordagem, Adrian Vermeule diz que as Constituições, “e as leis de direito público, em geral, são melhores entendidas como mecanismos de regulação e gerenciamento de riscos políticos”. Segundo ele, a “Constituição de Risco” deve ser entendida como uma lei que estrutura e regula riscos, maiores (golpes presidenciais ou militares) ou menores (abuso político ou ideológico, corrupção e incompetência de agentes públicos), que emergem na e a partir da vida política. Deve a Constituição, assim, apresentar soluções preventivas ou resolutivas para os riscos políticos. Embora em períodos de normalidade seja possível aferir a higidez das estruturas constitucionais, é em momento de crise que as Constituições devem provar seu valor em prol do restabelecimento da estabilidade.

 

No Brasil, é de central relevo que a atual crise política encontre caminhos para sua solução em conformidade com as fórmulas previstas na Constituição, sem que disso resulte a estagnação das funções essenciais ao desenvolvimento do País ou inovações improvisadas para um contexto que encontra caminhos predefinidos no sistema jurídico. No atual momento de grave instabilidade, há marcante desconfiança quanto à linha sucessória da Presidência da República, em caso de acolhimento do pedido de impeachment. Diante disso, surgem discussões sobre alternativas às normas previstas na Constituição, pois estas seriam inadequadas para superar tamanha crise e incerteza sobre os agentes capazes de suceder à Presidente.

 

É perceptível que as soluções apresentadas pela Constituição não se adequam perfeitamente às circunstâncias prementes. Isso porque o constituinte adotou o modelo que Vermeule denomina “precaucionário”, isto é, a Constituição previu precauções para situações de crise. Para riscos administrativos e de governabilidade, previu o instituto do impeachment. Entretanto, não se antecipou quanto aos riscos atrelados à ilegitimidade de grande parte dos agentes políticos envolvidos neste processo. Embora a situação atual aponte para um quadro de “miséria moral” na Política, o constituinte de 1988 foi incapaz de prever que o eventual processo de impedimento poderia estar imerso em tal quadro.

 

Tudo leva a crer que a melhor solução só poderia ser alcançada por meio da aplicação de regras de otimização, identificando alternativas à simplista lógica binária: impeachment e não-impeachment. Porém, como a rigidez da Constituição impede a adoção de soluções ótimas – tal como a convocação de novas eleições presidenciais ou outras soluções menos traumáticas -, a aplicação dos procedimentos e institutos disponíveis, inevitavelmente, impõem altíssimos custos a toda sociedade brasileira.

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Antonio Sepulveda (professor e doutorando em Direito/UERJ), Igor de Lazari (mestrando em Direito/UFRJ) e Sérgio Dias (professor e mestre em Direito/UFRJ) são pesquisadores do Laboratório de Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento das Instituições – Letaci/PPGD/UFRJ.

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O Sopro de Pak Tai:Pensão Parque

1.Foto Joaquim Magalhães de Castro

O aeroporto de Maputo é um desses aeroportos com vista para a pista, ou melhor dizendo, com terraço no primeiro andar onde crianças com os olhos iluminados e encarapinhados e motivos geométricos no cabelo vão ver os aviões poisar e levantar. O aeroporto do Funchal também é assim, só que ali o Atlântico está mesmo ao pé e há um horizonte montanhoso como barreira natural, enquanto neste paralelo é o Índico que banha um litoral suave e para o interior estende-se um imenso país. As aeronaves estão a uns meros passos de distância, não sendo por isso necessário qualquer transporte adicional.

Embarco num voo para Nampula na companhia de cidadãos moçambicanos, de estirpe africana e indiana, três chineses e um grupo de seis norte-coreanos, dois homens e quatro mulheres, duas delas com um colchete com a imagem do querido líder Kim Il Sung espetado na camisa, à altura do seio esquerdo. Não vale a pena tentar estabelecer contacto visual com estas criaturas com as quais tão raramente nos deparamos, e só em locais específicos como a China, a Mongólia ou até Macau, onde existe (ou existia) uma importante delegação comercial desse país. Parecem ter sido programados para não mostrar qualquer emoção e evitar o contacto com quem quer que seja. Mesmo aquele que trata dos bilhetes, exprimindo-se num português sem mácula, limita-se ao essencial. Meia hora mais tarde, já no momento do embarque, consigo arrancar um breve sorriso a uma das moças, o que considero uma verdadeira vitória.

Sentado na fila 19 da aeronave da LAM, observo através da portinhola circular os meandros do rio Limpopo no seu ziguezaguear, ultrapassados que estão os refugos suburbanos que adicionam aos dois milhões de habitantes registados oficialmente em Maputo algumas outras centenas de milhar, pois as cidades, para desgraça deste planeta, não param de crescer.

Como material de leitura tenho à minha disposição os jornais O País, Savana, Notícias e ainda um exemplar da Índico, revista de bordo das Linhas Aéreas Moçambicanas. Num artigo de opinião de O País, Lázaro Mabunda chama a atenção para a «falência da ética e profissionalismo no jornalismo moçambicano», e umas páginas adiante colho uma frase inspiradora e algo optimista: «Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que temos».

A hospedeira que assegura o serviço aos passageiros das filas detrás, perfeito exemplo do secular processo de miscigenação, é frequentemente requisitada pelos rapazes de uma equipa da televisão estatal sentados dois lugares à frente do meu, e que em Nampula farão a cobertura de um desafio de futebol do campeonato nacional, o Moçambola. Já aviaram várias latas de cerveja 2 Mahon e umas quantas garrafinhas de dose simples de Black Label, provavelmente martelado. A cerveja vale trinta meticais, mas o lanche e o chá fornecidos são suficientes para aconchegar o estômago, até porque a viagem não é longa.

Três horas depois aterramos em Nampula. Enquanto aguardo pela minha bagagem na passadeira rolante certifico-me se não haverá transporte directo, nessa mesma noite, para a Ilha de Moçambique, o meu destino final. Não, não há. Felizmente, o aeroporto fica perto do centro da cidade e táxis é o que não falta. Parto num deles em busca de um hotel e deparo com a baixa de Nampula quase às escuras, depositando-me o motorista no Hotel Tropical, outrora a Pensão Parque, como ainda se pode ver nas letras apagadas desenhadas na pintura original da fachada. Uma família de chineses gere agora o negócio, embora o empregado da recepção, e todo o restante pessoal da casa, seja moçambicano. Como complemento à unidade hoteleira, e na tradição oriental, não faltam o respectivo restaurante e a discoteca com um karaoke a condizer.

«Então tuga, estás a trabalhar?» Sou abordado desta forma por um jovem moçambicano que, sem qualquer cerimónia, se senta à minha mesa na altura em que acabo uma refeição de massa com legumes regados com molho de soja. Certamente intrigam-no as linhas que escrevo no meu portátil enquanto como. Acácio – assim se chama o meu interlocutor –, quebrado o gelo, inicia uma conversa sobre os mais diversos assuntos utilizando expressões como “este gajo” e “estou lixado”, que mais portuguesas não podiam ser. Já o “ya”, tão comummente utilizado por aqui e introduzido em Portugal após 1975, só pode ter origem na vizinha África do Sul. Acácio dá-me a entender que os proprietários daquele espaço, “chineses de Macau”, estão ligados ao negócio de madeiras, que enviam para a China em enormes contentores e por via marítima. A contrapartida dos chineses pelo seu investimento na construção de estradas e mais estradas não se limita à venda dos seus inúmeros produtos; interessa-lhes sobretudo as matérias-primas que a floresta moçambicana, por enquanto, comporta. E a tal ponto que há quem não hesite em acusá-los de neocolonialismo.

“Qual cooperação qual carapuça, os chineses querem é, acima de tudo, as riquezas naturais do nosso país”, confidencia Acácio.

Na sala contígua à esplanada do restaurante, vários chineses cantam karaoke e, certamente, bebem cerveja Laurentina, tal como eu. As vozes desafinadas transportam-me de imediato para os tascos das cidades mais isoladas da China, que tantas vezes percorri. Uma hora depois, ainda sob os efeitos da massa com demasiado molho de soja e a cebola crua que me provocam uma sede indescritível, obrigando-me a pedir mais uma Laurentina, sou abordado por um desses chineses, já tropeço, que, encorajado pelo álcool, aproveita a presença pouco comum de um branco na esplanada para testar a amostra do inglês que sabe e simultaneamente satisfazer a sua curiosidade. É então que me apercebo que a rapariga chinesa ao lado, de telemóvel encostado à orelha, no que aparenta ser uma conversa normal em mandarim, afinal, comunica em inglês e, pelo tom de voz, parece que está a namorar, o que não deixa de ser um sinal de integração na comunidade local.

Ao fim da noite saem da sala de karaoke uma outra trupe de chineses, todos eles bem bebidos, que num ápice se enfiam num jipe topo de gama. Tudo indica que pertencem a várias famílias.

“Alguns deles são de uma família de Macau”, relembra Acácio, consciente do local de onde venho.

Texto e foto de Joaquim Magalhães de Castro, escritor e investigador da expansão portuguesa. Escreve neste espaço às quartas-feiras.

IIM LOGOTIPO - 2015 (2)

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Sopro de Pak Tai: Brumas de Liampó

FOTO Pak Tai desta semana

Nos primórdios do século XVI, várias décadas antes de Macau ser uma realidade, os mercadores portugueses tinham licença para negociar em Chincheu, no estreito da Formosa, actual província de Fujian, e em Liampó – nas imediações da actual Ningpo – na região de Xangai. E foi esse relativo à-vontade de circulação que levou muitos aventureiros portugueses a deambularem ao longo do litoral da China em navios liderados por capitães das mais variadas nacionalidades do Oriente. António de Faria, personagem que povoa muitas das páginas da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, foi talvez o mais famoso desses homens. Acicatava-o um ódio de estimação, o temível pirata Coja Acém, que ele acabaria por encontrar, derrotar e matar em batalha, algures no Dong Hai, no mar do leste da China, talvez a umas 500 milhas da feitoria de Liampó, onde António de Faria saberia que essa notícia seria muito bem recebida.  

Antes de aportar em Liampó, Faria teve o cuidado de enviar um emissário à cidade dando conta da morte do temido pirata, preparando assim uma mais do que previsível entrada triunfal. Manteve-se, entretanto, como medida de precaução, ancorado ao largo, longe dos olhares indiscretos, pronto para uma rápida partida, caso as coisas não corressem de feição.

Nessa época, toda aquela região era bastante arborizada, pelo menos a julgar pelo descrição do autor da “Peregrinação”, que nos fala em «bosques de arvoredo muito basto de cedros, carvalhos e pinheiros mansos e bravos, de que muitos navios se provêem de vergas, mastros, tabuado e outras madeiras, sem lhes custarem nada».

António de Faria seria, de facto, recebido como um herói, com salvas de canhão e um cortejo marítimo. Enquanto era conduzido à presença dos mais altos dignitários da cidade, transportado num luxuoso palanquim, sempre rodeado por belas mulheres chinesas, o capitão-corsário pôde apreciar as músicas interpretadas por grupos da China, Malásia, Bornéu e Sião, porquanto a feitoria de Liampó, pela importância do comércio ali praticado, acolhia navegadores de todo o Extremo-Oriente, que desejavam negociar sob a protecção das autoridades portuguesas.

Era tal a gratidão da população a António de Faria, que os tinha livrado do mais temido dos piratas, que até os padres, que também se dedicavam aos negócios com entusiasmo e afinco, expressaram o seu contentamento, mandando tocar os sinos a rebate da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a igreja matriz, pois havia na feitoria mais umas seis ou sete.

Aqui há uns anos, tive oportunidade de visitar Ningpo, e um dos locais que mais me chamou a atenção foi a igreja católica da cidade, a Tianzhou Jiaotang, situada não muito longe do embarcadouro de ferries, que, de resto, era conhecida como «igreja portuguesa». De acordo com uma informação local a que tive acesso, essa igreja teria sido «construída em 1628, posteriormente destruída e reconstruída no século XIX», numa altura, portanto, em que a feitoria já não existia, o que nos deixa perante um dilema. Teria sido essa igreja construída posteriormente por jesuítas (não há notícia da existência de uma residência da Companhia de Jesus em Ningpo, embora essa congregação estivesse instalada noutras cidades da região) ou por chineses convertidos? Ou, muito simplesmente, representará a designação «igreja portuguesa» tão-só a memória de um passado cuja geografia nem sempre é fácil de identificar e que nem sempre coincide com os factos históricos?

A acreditar no que nos diz Fernão Mendes Pinto, a feitoria portuguesa de Liampó era uma verdadeira cidade europeia implantada à porta da milenar e vetusta civilização chinesa, que contaria na altura «com cerca de mil casas, com o seu conselho de vereadores, um funcionário da justiça, e vários empregados administrativos». E essa feitoria, devidamente documentada nas fontes chinesas, situar-se-ia nas ilhas de Shuangyu, no arquipélago de Zhoushan, nas proximidades da cidade chinesa de Ningpo, o que afasta a hipótese de serem encontrados vestígios dessa feitoria no continente.

O historiador Jin Guo Ping considera que «no caso de Liampó houve um fundo histórico verdadeiro, mas um pouco exagerado no que se refere à envergadura deste primeiro estabelecimento português, antes de Macau», que acabaria por ser reduzido a cinzas em menos de cinco horas por uma força de sessenta mil homens e mais de trezentas embarcações, catástrofe que, como nos diz Mendes Pinto, «custou a vida de doze mil cristãos, dos quais oitocentos portugueses que morreram nas chamas, a bordo de trinta e cinco navios e quarenta e dois juncos, uma perda avaliada em dois milhões e meio de cruzados de ouro».

A acreditar no relato do aventureiro português, a ordem de aniquilação da feitoria teria partido do próprio vice-rei da província de Zhejiang, como retaliação pelo ataque e saque de uma aldeia das redondezas, levado a cabo por Lançarote Pereira, um desses lançados que actuavam por conta e risco próprios, tirando daí os maiores proveitos.

Esses comportamentos de alguns dos comerciantes portugueses – não só de Liampó, mas também de Chincheu, que, anos depois, teria a mesma sorte –, homens gananciosos e sem escrúpulos, cujas acções individuais levariam à ruína de todos, são, como afirma Jin Guo ping, «confirmados pelas fontes chinesas oficiais e coevas, de modo que são incontornáveis para a história da presença portuguesa na China».

Mas, apesar dos documentos comprovativos, no que se refere a Liampó, continuam por descobrir os vestígios físicos dessa presença, o que, à partida, não se revela uma tarefa fácil. Não obstante, e segundo um relato de Montalto de Jesus, autor do Macau Histórico, até hoje a única história de Macau, se assim se pode chamar, teriam sido descobertos vestígios de tal colónia nessa região no século XIX, mais propriamente «as ruínas de um forte na localidade de Chin-hae de construção nitidamente europeia, com as armas de Portugal gravadas num portão, e o próprio templo, perto do portão da ponte, que foi atribuído aos portugueses de 1528 como associação de recepção de estrangeiros».

Apesar das diligências que efectuei na região, não me apercebi de quaisquer indícios dessa passagem, mas é muito provável que existam e aguardem, pacientemente, que alguém os redescubra.

 Joaquim Magalhães de Castro. Escritor e investigador da expansão portuguesa, escreve neste espaço às quartas-feiras.

 

 

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O Pato

 

3.PatuAs redes sociais são um pouco como as páginas amarelas: cada um lê nelas aquilo que lhe dá jeito. Por vezes – e dada a velocidade ou a magnitude com que certos fenómenos se disseminam – são também bons referentes sociais, instrumentos de análise de leitura imediata que atestam ou do estado de coesão de determinada sociedade ou, em contrapartida, da falta dela.

Por estes dias, basta ter um punhado de amigos brasileiros no Facebook para se perceber que, à custa do processo de impeachment de Dilma Roussef, o Brasil é um país estilhaçado, um espelho partido, uma espécie de Prometeu agrilhoado, eternamente assombrado pelo espectro da corrupção e pelo fantasma da desigualdade.

Macau, a julgar pela maré de entusiasmo que varreu as redes sociais durante o fim-de-semana, está nos antípodas: não há questiúncula social que se não resolva com a vinda de arte regurgitada para o território. A julgar pela quantidade de fotografias e testemunhos que encontraram o seu caminho para a Internet, um insuspeito pato de borracha – ainda que de tamanho descomunal – revelou-se impulso suficiente para elevar a coesão interna da sociedade da RAEM a níveis quase harmoniosos e para colocar a nu um dos poucos traços de fraterna comunhão – a falta de atitude crítica – que unem as várias comunidades que por cá vivem.

A instalação (à falta de melhor vocábulo, utilize-se este), com tudo o que tem de vazio e oneroso, é um bom exemplo do falhanço do discurso propedêutico do Governo no que diz respeito à diversificação da economia do território. A vinda do pato para a RAEM, depois de ter feito ninho em 14 outras cidades dos quatro cantos do planeta, custa à entidade organizadora – a Associação de Cultura Criativa e Artes de Macau – a assombrosa quantia de seis milhões de patacas, metade dos quais comparticipados directamente pelo Governo. Mesmo que a ideia não fosse requentada e que o pato já não tivesse, por exemplo, atracado aqui ao lado, em Victoria Harbour, o dinheiro investido no processo dificilmente se furtaria ao exagero, dada o escasso valor da recompensa associada ao exercício gratuito de se admirar o pato: simpático, o bicho não convida a interrogações, não convida à introspecção. Convida apenas à selfie.

Não é que toda a arte tenha de ter a si implícito um manifesto político ou estético. Ainda assim, num território como Macau, forçado compulsivamente por um pai tirano a assumir o divórcio com o sector do jogo, a opção pela importação de modelos e de formatos pré-concebidos é mais prejudicial do que benéfica e os responsáveis pelas indústrias criativas, sector em que o Governo e a sociedade depositam tanta confiança, deviam ter presente uma tal incidência. A eles, dada a aura de contemporaneidade que rodeia o fenómeno da criatividade, compete trabalhar para que a RAEM não se transforme mais ainda na capital mundial do copycat e do pastiche e para que aquilo que é intrinsecamente de Macau seja valorizado em vez de repetidamente remetido para segundo plano.

Muito se tem falado de alma e de identidade nos últimos anos, mas de pouco adianta discutir apenas por discutir se nem os agentes culturais estão receptivos a valorizar o verdadeiramente nos distingue. O prospecto da identidade de Macau, tal como tem vindo a ser delineado ao longo dos últimos anos para turista ver, num processo que conta com o beneplácito da Direcção dos Serviços de Turismo, é uma criação esdrúxula, que faz lembrar os monstros e os seres teratológicos das gestas antigas: tem orelhas de elefante, cauda de leão e fala com o melodioso canto das sereias. É Veneza, Las Vegas e Paris tudo em um. Tem no “portuguese egg tart” o seu acepipe gastronómico de eleição, traveste-se de China para o que interessa e esquece-se, o mais das vezes, da sampana onde cresceu. Uma falsidade, portanto.

Tal como o pato. Exemplo supremo da arte prêt-a-porter e do método mais fácil de se conseguirem as coisas (dinheiro inclusive), o bonacheirão bicho faz-nos a todos mais estúpidos, mesmo que nada desejemos com selfies e multidões acríticas. Um exemplo? No fim-de-semana diz que também houve para aí uns protestos, mas desses – a julgar pelas redes sociais – não reza o histórico.

 

 

Marco Carvalho

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