Ainda o património de Macau e as consultas públicas

Fotografia MJF (1)

FOTO MARIA JOSÉ DE FREITAS

Na altura em que está em curso a consulta pública sobre o 2º grupo proposto para a classificação de bens imóveis de Macau – com a primeira sessão pública realizada em 11/11/2018 – faz sentido perguntar para quê esta consulta pública e qual o impacto que ela terá na demora da apreciação e consequentes acções tendo em vista a protecção dos bens descriminados.

Senão vejamos: a lei de protecção do património, denominada “Lei de Salvaguarda do Património Cultural”, foi aprovada em 13 de Agosto de 2013, e entrou em vigor em 1 de Março de 2014. No seu artigo 51º é estipulada a obrigatoriedade de elaborar um Plano de Salvaguarda e Gestão do Centro Histórico de Macau (PSGCH), cuja execução competirá ao Instituto Cultural (IC), em colaboração com outros serviços públicos, designadamente a DSSOPT e o IACM.

Estamos em finais de 2018. Passaram 5 anos sobre a publicação da Lei 11/2013. Entre Janeiro e Março, deste ano, decorreu a consulta pública sobre o PSGCH. Mais tarde, sem que tivesse sido dado conhecimento sobre o seu conteúdo, soubemos pelos jornais que o Plano actualizado teria sido enviado para Pequim com a finalidade de ser entregue no Comité do Património Mundial, em Paris, antes de 1 de Dezembro, conforme acordado com a UNESCO.

A Lei 11/2013 remete para um conjunto de bens imóveis classificados, em diversas categorias: monumento, edifício de interesse arquitectónico, conjunto e sítio e, mais à frente, no artigo 115º (Disposição transitória), no ponto 1 refere-se que “… monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios constantes dos anexos I, II, II, e IV, ao Decreto-Lei nº 83/92/M, de 31 de Dezembro, são considerados  para os efeitos da presente lei…”.

Ou seja, a Lei 11/2013 decalcou, consagrando-a, a listagem de bens imóveis constante na lista publicada em 1992, ao tempo da administração portuguesa, numa altura em que o Centro Histórico de Macau ainda não tinha sido incluído na Lista de Património Universal pela UNESCO.

Decorridos 26 anos sobre a publicação dos anexos I, II, III e IV ao DL 83/92/M, temos agora uma consulta pública para acrescentar 9 bens aos já listados.

Esta consulta, também ela tardia, está afinal a excluir 4 dos 13 bens de que ouvimos falar em 2017, através do próprio presidente do IC, quando referiu que o Governo se preparava para incluir mais 13 imóveis na lista de património, acrescentando ainda que, em 2018, essa lista seria posta a consulta pública.

A consulta está, agora, a concretizar-se. De 13 bens imóveis passámos a 9, não se sabendo quando serão considerados os restantes 4 que foram retirados da lista, nem quais são eles.

No dossier que acompanha a consulta os valores culturais de cada um dos imóveis incluídos estão bem enunciados. A consulta é fácil. Contudo, nada se refere quanto às condições futuras de cada bem indicado, qual a respetiva área de proteção e quais as vantagens/consequências da classificação.

Perante isto a população pode interrogar-se e, na dúvida, talvez não vote, mesmo que o interesse pelo património seja genuíno, como ficou evidenciado pelo número de presenças e intervenções no decorrer do debate.

Foi-nos dito que após a consulta o processo voltará a ser analisado por peritos e, só então, será finalizada esta fase. Depois disso, ou mesmo durante este procedimento, há que proteger o bem, há que tomar medidas. Entretanto o Plano de Gestão poderá estar publicado e em vigor. A quem caberá a salvaguarda do património? E quanto tempo será necessário para lá chegarmos?

A classificação é faseada e morosa. As consultas populares vão atrasando o processo, um processo que, em boa verdade, já foi submetido à auscultação popular e por ela sufragado quando apoiou a inclusão do centro histórico de Macau na lista do património da humanidade e quando, mais tarde, se pronunciou sobre o plano de salvaguarda e gestão.

Apesar de louvar a persistência do Instituto Cultural, que tem realizado um cuidadoso trabalho de investigação sobre o património existente no sentido de perceber o seu valor intrínseco, não vejo vantagem em proceder a consultas sucessivas à população para se pronunciar sobre a listagem de bens que têm valor já reconhecido por peritos e técnicos.

Alguns dos imóveis estão situados em zonas de protecção de outros bens que já se encontram classificados e, no seu conjunto, dão expressão ao contexto em que se localizam, transformando o sítio, o conjunto, ou o lugar onde se inserem, num local com significado e revelador da cultura miscigenada que está na génese da cidade de Macau e da especificidade que apresenta.

Estamos na altura de passar à acção! A lista de património classificado deve ser alargada de modo a incluir os bens significativos das culturas em presença e das várias épocas e transformações urbanas que a cidade sofreu ao longo do tempo.

A história viva que os prédios, as ruas, os pátios, em suma os cheios e os vazios do texto urbano de Macau, têm para nos contar, é importante. É também saudável que essa experiência não perca significado e que, por outro lado, vá ganhando outras leituras com os novos layers que a contemporaneidade acrescenta.

O Open House aconteceu no passado fim de semana e, pela afluência que teve, podemos ver como a vivência da cidade é atraente e polarizadora em todas as suas épocas, estilos e confluências.

Maria José de Freitas, Arquitecta|ICOMOS-SBHSG, Doutoranda DPIP3-UC.PT

mjf@aetecnet.com

 

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