SER O PRIMEIRO… E … TER MAIS

Acentua-se  cada vez mais na Sociedade actual uma realidade. Está-se a criar um abismo que começa a ser colossal e quase irremediável entre os governantes e o povo real. Começa a ser confrangedor escutar os políticos mais responsáveis da geopolítica mundial, para não falar já das manigâncias estratégicas trabalhadas e escondidas no segredo dos seus ‘offices’ e que estão a ser continua e implacavelmente descobertas por jornalistas corajosos, apesar do muito profissional ‘top secret’ e do perigo que correm as suas vidas.  Enquanto os dirigentes máximos da governação dos países mais ricos conversam junto à praia, entre sorrisos e palmadinhas nas costas e as suas belas esposas aparecem como em desfile de moda, continuam cadáveres a chegar às costas do Mediterrâneo, a floresta da Amazónia a ser devorada pelas labaredas, as catástrofes naturais a não pararem, é uma atrás da outra, em qualquer parte do globo e, não sendo a última situação a lamentar, as guerras e os ‘shootings’ parece que ninguém tem verdadeira vontade em os eliminar…

Mas, se procuramos ir um pouco mais fundo na compreensão de tudo o que está a acontecer no Mundo e se tentamos perceber o que se passa a níveis mais privados das situações que levam a tomadas de decisão sobre políticas, supostamente, para bem dos todos os seres humanos, homens e mulheres,  acabamos por descobrir que, naqueles que têm autoridade e poder, existem nos seus raciocínios intenções indignas bem camufladas e sentimentos deveras torpes nos seus corações. Encontramos até, sem grande surpresa, critérios de actuação que são muito diferentes daqueles que são expostos nas grandes Assembleias. Somos confrontados, ao fim e ao cabo,  com conivências, pactos e ‘vetos’ escandalosos, que bradam aos Céus.

E não só. São os mais pobres, os mais frágeis e os mais vulneráveis que, no seu clamor angustiante, manifestam que algo de muito grave se passa na Humanidade contemporânea. A  ‘alma’ da Comunidade humana está ferida, geme cheia de dores e grita para uma maior Justiça, Solidariedade e Harmonia entre Povos e Nações.

Acrescentaria ainda que, mesmo na sociedade da abundância dos países mais prósperos do mundo. o G7, a dita ‘doença do mal-estar’, a ‘angústia existencial’ e ‘o desespero’ crescem exponencialmente. Certificam-no as melancolias, as depressões, as neuroses, os desequilíbrios psicoafectivos, os suicídios, as adições a fármacos, à electrónica, à diversão, ao sexo, ao álcool, à droga, à violência… de tantos e tantos.

Mesmo os mais ricos e abastados exteriormente, afinal, também sofrem da ‘alma’… Eles experimentam, dentro da ideologia do sistema, a superficialidade, a tristeza e o  vazio interior.

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O Evangelho apresenta-nos um outro pensamento sobre a existência humana, que acaba por se transformar, ao mesmo tempo, numa resposta ao ‘mal estar’ do Mundo, tecnologicamente tão desenvolvido.  Jesus Cristo neste Vigésimo Segundo Domingo do Ano Litúrgico proclama dois critérios de vida completamente opostos à à mentalidade que nos circunda, sobretudo entre aqueles chamados ao exercício da autoridade.

Chefes de Estado e Primeiros Ministros lutam, por vezes teimosa e muito subrepticiamente, pelo ser o primeiro, na política mundial. Esta mentalidade é dominante, nos encontros de líderes, pequenos ou grandes,  dum continente a outro. E, às vezes, esse pavoneio chega mesmo até ao ridículo. Termina sempre, na prática,  com soluções adiadas e a deixar continuar o sofrimento de muitos. 

Porém, o Senhor é claro. O verdadeiro serviço dos outros, o seu governo, passa sempre pela via da humildade, em que também não se escapa a algum sofrimento e contrariedade. Seguramente que não é compatível com a exaltação vaidosa e narcisista e da busca obsessiva dos «primeiros  lugares» como faziam os fariseus que convidaram Jesus Cristo para tomar uma refeição. Por isso o Senhor e Mestre, admoestou-os dizendo: «Quando fores convidado…, não tomes o primeiro lugar.»  Eis um aviso sem subterfúgios, vigoroso e crítico aos governantes que desejam guiar os destino das nações.

Mas,  um segundo critério se revela nesta passagem evangélica: dar sem estar à espera de receber ou de ser recompensado. Diz o Senhor: «Quando ofereceres um almoço…. não convides os teus amigos nem os teus irmãos  nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído…».

Esta atitude de estar sempre à espera de receber algo em troca, portanto, nada generosa e pouco desprendida, torna-se, infelizmente, uma constante do nosso viver quotidiano. Pior ainda, quando numa visão macro-cósmica, reparamos que países de grandes posses ou instituições financeiras de enormes recursos que mais parecem estar preocupados em criar dívidas infindáveis nos países em desenvolvimento, para depois, maquiavelicamente, sugar as suas riquezas naturais. Vejamos o que acontece, aqui mesmo perto, o pequeno Timor Lorosae, a tentar defender o seu petróleo, perante o seu vizinho todo poderoso e musculado. Tal David contra o fanfarrão Golias… 

O Senhor Jesus vai mais longe e acrescenta, com um aspecto que os humanos têm dificuldade em compreender e, muito mais, em aceitar: «Serás feliz por eles não terem com que retribuir-te…» Palavras que o mesmo Cristo Jesus proclamará de uma maneira ainda mais cristalina: «Há mais alegria em dar que receber…».

A Comunidade Cristã tem de ser mais crítica, forte e corajosa perante o Mundo e  a Sociedade em que vivemos.

Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau

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REMAR CONTRA… A MARÉ

«Esforçai-vos  por entrar pela porta estreita…» é a resposta, com o seu quê de admoestação vigorosa aos seus interlocutores, que Jesus dá àqueles que O interrogam, ao exclamar: «Senhor, são  poucos os que se salvam?» Sem conotações espirituais ou religiosas, podemos dizer, que esta interpelação é como estar a perguntar algo sobre quem são aqueles que alcançarão a felicidade. Questão esta que, por sinal, se torna tão pertinente na sociedade actual. O homem e a mulher contemporâneos procuram freneticamente e, às vezes, com alguma paranóia,  ser felizes. A Humanidade, hoje, sente necessidade de dar responda a essa aspiração que brota do mais íntimo do seu coração, do mais intrínseco do seu ser. 

É perante este questionar existencial, que se descobre a exigência de  uma resposta que esteja para além do imediato, do material e imanente da vida humana. Diremos, enfim, que seja mais metafísica. É precisamente aqui, nesta tensão dialéctica entre material e imaterial, imanente e transcendente, que surge a problemática do sentido de existir da nossa geração. O ser humano, no início deste século, insiste teimosamente em responder à sua ‘Angústia Existencial’,  ao clamor profundo da sua ‘alma’, apenas pela satisfação dos seus instintos naturais, das suas necessidades básicas em vez de procurar soluções a um nível superior, mais transcendente, espiritual e mais divino.

É neste contexto de um caminho a ser escolhido, que melhor corresponda aos anseios do coração humano, que podemos entender o ensinamento de Jesus Cristo, o verdadeiro Mestre, quando, algures no Evangelho,  nos expõe o assunto da chamada porta larga,  em contraste com a porta estreita do texto deste Vigésimo Primeiro Domingo do Ano Litúrgico. Esta última constitui a via fácil,  superficial e enganadora, enquanto a primeira apresenta a via que, sendo a mais exigente, se manifesta como a mais verdadeira, capaz de conduzir à liberdade, à paz e à felicidade duradoura.

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Jesus Cristo no texto acima referido elabora  um pouco mais em particular alguns aspectos. Esta focagem, em termos de fé, significa para mim, que devemos, prestar-lhes muito maior atenção e considerá-los com bastante mais seriedade, neste momento presente da história da Humanidade e do Mundo. 

«Comemos e bebemos contigo…». Um argumento realmente muito pobre para garantir a Salvação ou entrar no Reino dos Céus ou, simplesmente, alcançar a felicidade. Cristo Jesus, de facto, riposta até tocar a dureza: «Não sei donde sois». Não é pelas grandes comezainas, inundadas de vinhos de casas agrícolas famosas  e de espumantes da produção do mais fino que há, que saboreamos o gosto delicioso da felicidade. Assim como também não é que lá chegamos por vestir os modelos mais elegantes da moda europeia ou americana nem sequer de usufruir de esplendorosas mansões ou de viver em desafogados condomínios. E muito mais acontece…

A Sociedade moderna como aquela que nos é dado viver continua inexoravelmente a deixar-se dominar e intoxicar por esse modelo de vida, a tão apregoada ‘sociedade de consumo’. Mas o Senhor Jesus, sempre coerente, continua a afirmar que por aí não é o caminho nem da felicidade terrena nem da eterna «Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim».

Jesus Cristo continua a desmistificar os valores da construção da Sociedade moderna que ilusoriamente está convencida que é capaz de levar a Humanidade à  felicidade. Desta vez, critica a supervalorização da Razão, do conhecimento, da ciência, da técnica, da formação académica. Ele, o Senhor e Mestre, desmascara a falácia do seu raciocínio. Não é por eles afirmarem «tu ensinaste nas nossas praças» que estão preparados para o gozo da felicidade, eterna ou terrena. Não. E perspicaz como sempre, atira-lhes à cara, dizendo: «Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade».

 

 

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Quão diferentes são as perspectivas de construção da Sociedade futura, à luz das palavras de Cristo Jesus. E se assumimos a visão cristã, o nosso dia mais parece tornar-se num contínuo  Remar contra a maré.

Quando tudo e todos estão obsessivamente ou, pior ainda, inconscientemente dependentes, da cadeia de ‘consumo’ no comer, beber, vestir, dormir e bem estar, um apelo à sobriedade de vida, a austeridade, à renúncia, ao sacrifício, ao desprender-se, ou sofrer pelo bem dos outros exige uma grande força moral.

Afundamo-nos, a olhos vistos, no comodismo, narcisismo, hedonismo e materialismo da vida que asfixia, sem dó nem piedade, toda a aspiração para coisas mas elevadas, superiores, culturais e artísticas, metafísicas e espirituais

 Vejamos, por exemplo, a  indústria do lazer, da diversão e do entretenimento, que nos circunda, nos envolve, e mesmo nos domina aqui em Macau. Nela se esconde, de maneira sofisticadíssima, a procura do fácil, do agradável e do prazer

Remar contra a maré. É um esforço hercúleo, vivido, na maior parte das vezes, no silêncio de muitas acções que só Deus vê, mas sempre na certeza de que os frutos, tarde ou cedo, aparecerão.

Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau

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O DESCONFORTO DA VERDADE

Quase escandalizam as palavras de Jesus Cristo, quando O ouvimos proclamar no Evangelho deste Domingo, o Vigésimo do Ano Litúrgico: «Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

Mas ouve-se comentar que sempre se pregou que a Salvação que Cristo veio trazer à Terra é um anúncio de Paz, de Amor e de Harmonia entre os Homens e Mulheres de Boa Vontade! 

Este paradoxo, para não dizer mesmo esta contradição, é simplesmente uma aparência. Muito ao contrário dessa primeira possível conclusão,  a afirmação do Senhor revela, antes, algo bastante mais profundo da conduta humana. Dizer a Verdade, por vezes e incrivelmente, mais parece que se está a ir contra a Amizade, o Amor, porque provoca um enorme desconforto tanto naquele que nos escuta, o dito amigo ou amiga, como naquele que a afirma. Ao mesmo tempo e olhando as coisas de um modo complementar, há que ser bem claro. O Amor também nunca se concretizará escondendo, excluindo ou deixando de fora a Verdade. O Amor genuíno exige indubitavelmente a presença da Verdade. A Verdade, por seu lado e por si só, sem Compreensão e Amor, com muita frequência e muito facilmente,  perde aspectos da visão global da Verdade e redunda numa Injustiça. Eis a dinâmica intrínseca da relação entre Amor e Verdade

A Humanidade contemporânea geme dolorosamente à procura da supremacia da Verdade no Mundo. De facto, a realidade que estamos a viver nos tempos que correm apresenta-se  como uma verdadeira batalha campal entre Verdade e Mentira. Consequentemente, porque a ‘Gente da Mentira’, como apelidava Scott Peck, cresce em número e continua a dominar a geopolítica mundial,  não admira nada que não se consiga estancar o sangue que está a ser derramado por causa de tanta violência entre as nações. A falsidade perverte os corações. A maldade humana destrói a Harmonia e a Esperança dos Povos.     

 

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Voltando ao texto do Evangelho. 

A Verdade a que Jesus Cristo se refere aqui é a Verdade que nos convida a acreditar, em primeiro lugar, na existência de Deus Criador e Pai  e, em seguida, nEle próprio como o Filho de Deus encarnado na História Humana. Ele verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

Mais ainda. Torna-se exigência inquestionável de todo aquele ou aquela que acredita, colocar a Deus como centro da sua  orientação de vida e ser Cristo Jesus, o Caminho, Verdade e Vida da sua existência neste Mundo. Ele que é o Primeiro e o Último de toda a Criação. Ele, o divino, tornado modelo de toda a criatura humana.

O texto do Evangelho de São Lucas lança-nos para além do dizer ou não dizer a Verdade. As palavras do Mestre são mais exigentes. Chama-nos, acima de tudo, a que se viva essa a Verdade na Fé, com radicalidade e coerência. Porém, é o próprio Jesus Cristo que nos alerta para as dificuldades dessa mesma vivência, digamos agora cristã, quando nos encontramos  perante os outros.

O Senhor Jesus limita-se a dar um só exemplo de pessoas das nossas relações que podem tornar-se um obstáculo à nossa vida fé. Para espanto de muitos, talvez, Ele inúmera em primeiro lugar os nossos familiares mais chegados.  O Senhor declara, peremptoriamente, quem diria, os familiares mais íntimos. Pai, mãe filho, filha, sogra, nora, sogro, genro… e assim por diante irmãos, irmãs, tios, primos… 

Lembremos apenas. Quantos consagrados, padres ou madres, em que os seus pais faleceram sem nunca terem aceitado a opção dos filhos!  Alguns houve que tiveram de deixar as suas casas, diga-se fugir, sem a autorização dos pais ! Só um exemplo. Santo Estanislau Kostka,  polaco, que para entrar no Noviciado da Companhia de Jesus, , deixou, contra a vontade do pai, a casa, a família e o país. Partiu a pé… e a pé chegou a Roma.

Podemos dar muitas outras situações em que as pessoas são levadas a testemunhar a Verdade da sua Fé, mas aqueles que os acompanham deixam-nos envergonhados e temerosos e não se assumem. Umas vezes, são amigos da família, do bairro ou do desporto. Outras,  os companheiros do liceu, instituto, residência ou universidade. Outros ainda, são camaradas de trabalho ou serviço…

Surpreendentemente, casos acontecem em que aqueles que nos inibem na prática da nossa fé são os próprios membros da Comunidade Cristã. Há que reconhecer, com Verdade e Humildade, que existe muita inveja, competição e maledicência entre nós que vamos à Igreja, o Templo de Deus.

Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau

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NO SEGREDO… MUITA COISA ACONTECE

Se, por um lado, aumenta inexoravelmente o número de ‘fugas de informação’ e dos tornados já tão famosos e habituais ‘leaks’, sempre acompanhados da questão ‘do direito à privacidade’; por outro, a descoberta da existência de tanta coisa imprópria, deplorável e imoral, trabalhada no segredo dos cubículos, saletas ou escritórios quer de empresas multinacionais,  de associações dos mais variados tipos ou de fundações ditas culturais e filantrópicas, quer ainda em departamentos ou instituições do governo, torna-se um acontecimento, quase diário neste Mundo onde existimos

É perante esta realidade presente e chocante que me inclino sobre as palavras do Evangelho deste Décimo Nono Domingo do Ano Litúrgico.  Parece-me haver aí uma chamada vigorosa a desafiar o modo de estar e viver da Sociedade actual. Ousaria dizer até, a querer provocar desconforto e incómodo na consciência de todos.

O homem e mulher do começo deste Século XXI, sobretudo os adultos, têm uma necessidade existencial de se debruçar sobre si mesmos, fazer um ‘Caminho Interior’ e entrar e compreender o que se está a passar no seu íntimo. Estão acontecer coisas terríveis na nossa Humanidade. Que valores nos guiam? É o Bem Estar dos Povos ou a ganância do lucro? É a Harmonia entre todos ou a exploração de milhões por muito poucos? Verificamos atrozmente que um muito pequeno grupo de privilegiados se  aproveita, a seu bel prazer, das riquezas do globo, enquanto outros às centenas de milhares têm de imigrar constantemente à procura de comer, beber, trabalho e casa para dormir e acolher a sua família. E a espiral de violência, como força centrífuga que não pára! Os focos de guerra surgem pelo globo como bolhas sulfúricas na cratera dalgum vulcão adormecido. Os tiroteios começam a tornar-se uma epidemia contagiosa…. Onde vamos assim…!?

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Há que prestar, antes de mais, atenção ao mundo interior. Os comportamentos humanos estão intimamente ligados às disposições internas de todo e cada um dos indivíduos.  Já o Senhor Jesus, e Mestre, proclamava, numa altura, dizendo: « do fundo do vosso coração é que sai o Bem e o Mal». 

No texto deste Domingo, porém, Jesus Cristo vai mais longe na análise do mundo afectivo: «Onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração…». Afirma, de maneira mais crítica, que no coração humano também podem haver fortes atracções, que se apresentam aparentemente como um tesouro. Todavia, numa leitura mais exigente, tudo, afinal, acaba por não passar de fogo fátuo, algo  que reluz, mas que é uma ilusão. Como diz, com muita sabedoria, o nosso povo: nem tudo o que brilha é oiro.

 Neste sentido, o Senhor Jesus exemplifica o seu ensinamento com duas situações que, ao princípio, poderão ser agradáveis e darem gosto e  prazer, mas que, posteriormente, tornar-se-ão causa de muita insatisfação, origem do tão corrosivo e destruidor ‘complexo de culpa’ e, seguramente , nunca levarão seja quem for a dar-se, a servir ou a ajudar verdadeiramente os outros.

O apego ao dinheiro, a ganância e a obsessão pelo lucro, sem a olhar a meios e a todo custo, torna-se uma constante no mundo da finança mundial, mas que se alastra diabolicamente por entre os aglomerados mais simples e naturais. A paranóia do luxo, da moda e do consumo1 Enquanto isso o Mestre convida-nos a saber dar, a ser desprendidos, a preferir a vida simples  e a estar mais preocupados com as coisas do alto: « Vendei o que possuís e dai-o em esmola. Fazei bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói…».

De uma forma um pouco dramática Cristo Jesus faz-nos cair ainda  na conta de uma segunda situação que não é conducente para um homem ou uma mulher  ter um coração livre e generoso, capaz de estar ao serviço da Humanidade. Assim acontece com todos aqueles que só estão preocupados em gozar a vida: «…começar a  bater em servos e servas, a comer, a beber e a embriagar-se….» viver sem responsabilidade. Mas esta é, infelizmente, a realidade dura e crua com que nos deparamos quando nos descrevem o que acontece, por toda a parte no mundo, aos fins de semana ou entre os que não conseguem libertar-se da vida nocturna. 

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No segredo de círculos muito exclusivos e privados se  maquina, sem escrúpulos ou qualquer sentido de moralidade, o destino dos povos. Mas o grito dos mais pobres e mais frágeis torna-se dilacerante. 

A nossa Humanidade  precisa urgentemente de pensar, com profundidade, sobre o sentido primeiro e último da existência humana, o que é ser homem ou ser mulher. Qual o modelo de Sociedade que poderá levar a todos a viver em  Harmonia e Paz, como viver num Universo que se abre com horizontes fantásticos.

Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau

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DESCANSA… COME, BEBE… REGALA-TE…

Por mais que se queira evitar pôr em questão o nosso ‘modo de viver’ na sociedade actual, as suas consequências negativas,  porém, tornam-se cada vez mais evidentes, gritantes e catastróficas para o futuro da Humanidade e do Mundo. São aos milhões os pobres, sobretudo crianças e mães de família, que choram por um pedaço de pão e uma gota de água. Enquanto isso acontece, escandalosamente, numa outra parte do globo, há aqueles que vivem na abundância, mas de tal modo que até fazem perigar as suas próprias vidas pela obesidade dos seus corpos. Nos  países, ditos desenvolvidos, deparamos com aqueles que põem em prática o que o administrador da parábola de Jesus, quando exclamava, insensatamente, dizendo: «Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores, onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens…». Em contrapartida e em qualquer outra parte da Terra, descobrimos uns outros que, com a mão, esgravatam o solo desértico para encontrarem raízes que matem a sua fome ou enganem os seus estômagos.        

  Invertamos a focagem da questão do ‘bem estar’ das pessoas, isto é, do haver pão e água para todos.  Consideremos, antes e ao contrário, aqueles que na sociedade assumem a responsabilidade de fornecer os bens essenciais para a existência humana. Algo estranho e terrível se nos apresenta! O quanto de maquiavélico, corrupto e imoral  se descobre nos laboratórios de biogenética, na indústria agro-pecuária, na indústria alimentar, na indústria farmacêutica, na indústria hoteleira, na indústria da restauração… E tudo por causa do lucro, do ganhar mais dinheiro, e manter, ao fim e ao cabo, uma ‘sociedade de consumo’ que apenas pensa no proveito financeiro e esquece o ser humano.

Eis uma amostra, levada ao extremo.  Onde está a origem do triste espectáculo  das pobres hilariantes ‘vacas loucas’ entre os animais das nossas pastagens, supostamente, saudáveis e verdejantes?! Agora até os seres vivos podem  apresentar sintomas ou estarem infectados com a ‘febre aviária’ e a ‘febre suína’. Levando caso tão sério ao ridículo. Em Hong Kong, na altura, até encontraram uma tabuleta a anunciar a existência  do ‘Dr. Porky Chan’!

Como se esta realidade não bastasse, assiste-se ainda à destruição quase vertiginosa da fauna e da flora do nosso planeta, que dizem ter cor azulada.  Sim,. Mas. Encalham nas praias baleias mortas com 80 quilos de plástico no seu ventre. São apanhadas aves sem vida com parafusos de três a cinco centímetros de comprimento no papo. Pescam-se peixes do mar, contaminados de radiação atómica, e peixes dos rios e lagos poluídos de substâncias nocivas  à saúde do ser humano, provenientes das descargas de resíduos de fábricas, nacional e internacionalmente reconhecidas. 

Mais ainda. Se contemplamos os céus, aumentam os dias em que não conseguimos descortinar uma réstia de azul. Apesar de tanto negócio escondido nas Assembleias Gerais  a propósito das condições climáticas, acontece algo inegável tanto na América como na Europa, ambas do Norte. As florestas ardem e as pessoas sufocam ou não resistem ao calor. Que se pronunciem, em verdade, os cientistas e os astrofísicos sobre o que se passa na estratosfera!

Por fim, as palavras de Jesus Cristo, neste Décimo Oitavo Domingo do Ano Litúrgico,  chamam-nos à atenção de uma maneira, cristalina e penetrante: «Vede bem, guardai-vos de toda avareza: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens».

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Nestes tempos que decorrem a grande velocidade,  torna-se uma exigência fundamental da nossa existência neste Mundo reflectir mais seriamente do que é habitual; filosofar, no sentido mais genuíno e etimológico;  ir à procura das razões mais profundas que explicam o caminho que a Humanidade do início do Terceiro Milénio e a Sociedade contemporânea estão a seguir. Procurando ser simples e não simplista, sou levado a pensar que a nova orientação de vida de que tanto precisamos definir, com criatividade, profundidade e audácia,  está para além da tensão dialéctica entre a ideologia neoliberal e a ideologia marxista-leninista. Em ambas é dado demasiada ênfase ao material e imanente do ser humano e é posto de parte ou pouco considerado tudo o que nele existe de espiritual e transcendente.

É neste contexto que, através dos anos, fui levado a compreender, de uma maneira muito subtil, delicada e fina,  que existe, em pessoas de ambos os ambientes ideológicos, como que uma corrente intrínseca e estrutural, mais íntima dentro de si mesmos, com necessidade de se exprimir,  tocando o intelectual, o psíquico-afectivo e o espiritual. Uns chamam-lhe ‘the Spiritual Quest’, à procura do sentido espiritual. Continuo, no entanto, a estar persuadido que  o conceito e a realidade da ‘Angústia Existencial’ exprime mais perfeitamente a ‘Sede’ de Deus existente no mais secreto e escondido do coração humano. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, ao clamar, vigorosamente e em lágrimas, ‘Tenho Sede’, constitui a expressão mais sublime da ‘Sede’ do ser humano à procura de Deus. 

Terminemos com o conselho e convite do Senhor Jesus, o Mestre Divino: «a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens». Que Ele, no Seu Amor e na Sua Verdade, não nos chame : «Insensato!» para denominar todo aquele que « acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».

Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau

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Metamorfose e mudança: As diferenças entre Hong Kong e Macau

A reclamação identitária por parte das populações das Regiões Administrativas Especiais (vulgo RAE’s) de Macau e Hong Kong são o ponto comum entre estas duas realidades, ambas privilegiam um modo de ser e de estar conformadas por um estilo de vida e um sentimento de pertença que as torna singulares, logo diferenciadas das demais existentes no grande império da Republica Popular da China, o que não configura à partida a ausência do patriotismo chinês.

Não se trata, a meu ver, de um processo emancipatório ou de caracter separatista mas, apenas e só, do direito a salvaguardar os princípios enunciados pela Lei Básica que estabelece o princípio de “Um País, Dois Sistemas”.

A diferença entre a realidade de Hong Kong e a de Macau acentua-se nas dinâmicas que a sociedade civil vai impondo ao longo do seu processo de adaptação ao período da pós-transição envolvendo também as heranças diferenciadas que cada realidade transporta.

Os recentes acontecimentos de Hong Kong, na mesma linha do que sucedeu com o movimento Occupy Central (ou dos guarda-chuvas), contextualizam uma forma diferenciada de se expressarem perante a eventualidade de uma quebra da identidade local por ingerência do poder central, não tanto porque não lhes reconheçam esse direito, aliás configurado no princípio da própria Lei Básica mas, mais pela defesa da manutenção de um ‘modus vivendi’ que se instalou ao longo dos anos e que querem perpetuar às gerações vindouras.

A expressão dessa vontade em defender os princípios legais de existência de uma Região Administrativa Especial, não se esgota apenas na retórica política ou legislativa, vai mais além, trata-se também de exprimir um sentimento de pertença que se configura numa identidade própria que lhes permita sentirem-se cidadãos dessa comunidade.

Neste ponto de vista, quer Hong Kong quer Macau estão em pé de igualdade, exceptuando talvez as vias pelas quais as mesmas se manifestam, ou seja, as dinâmicas que se acentuam na sociedade civil exigem respostas diferenciadas, essencialmente pela diferença das heranças perpetuadas, onde em Macau se eleva o seu bom entendimento histórico e actual com a presença portuguesa, e em Hong Kong assumirem que a herança britânica é um aspecto do passado.

Estamos assim a assistir a dinâmicas de adaptação que configuram metáforas ou paradigmas diferenciados e sustentados em movimentos de reformulação social que se vão identificando com pressupostos de base não coincidentes.

A situação em Hong Kong confina-se pela caracterização de uma metamorfose, onde o que era já não é, procurando uma nova forma de assumir a identidade local com uma nova geração que vai despontando, ou seja, metaforicamente falando a larva já se transformou em borboleta, impondo uma nova sociedade que é protagonizada por um ciclo geracional que se distanciou da realidade anterior procurando ser ela a marcar a diferenciação. Por seu lado, em Macau, vamos assistindo a um ciclo de mudanças que são evolutivas e adaptativas, agregando faseadamente as novas gerações no prelúdio dos novos tempos, onde passado, presente e futuro vão caminhando de forma entrelaçada.

Ambas porém, acentuam a necessidade de nova ordem social e de uma identidade local, fenómeno com que, mais tarde ou mais cedo, a República Popular da China terá que se confrontar, até porque se as pontes ligam materialmente as regiões também se espera que liguem as ideias e os valores. As permutas são inevitáveis, até onde elas poderão ir, só o tempo nos dirá.    

Apesar do tema ser “acalorado” e exigir uma reflexão ponderada sobre o futuro que se avizinha, não quero deixar de formular os votos de Boas Férias a todos os leitores do Ponto Final neste período de acalmia ilusória. 

 

     

Carlos Piteira

Investigador do Instituto do Oriente

Docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas / Universidade de Lisboa

 

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