Acentua-se cada vez mais na Sociedade actual uma realidade. Está-se a criar um abismo que começa a ser colossal e quase irremediável entre os governantes e o povo real. Começa a ser confrangedor escutar os políticos mais responsáveis da geopolítica mundial, para não falar já das manigâncias estratégicas trabalhadas e escondidas no segredo dos seus ‘offices’ e que estão a ser continua e implacavelmente descobertas por jornalistas corajosos, apesar do muito profissional ‘top secret’ e do perigo que correm as suas vidas. Enquanto os dirigentes máximos da governação dos países mais ricos conversam junto à praia, entre sorrisos e palmadinhas nas costas e as suas belas esposas aparecem como em desfile de moda, continuam cadáveres a chegar às costas do Mediterrâneo, a floresta da Amazónia a ser devorada pelas labaredas, as catástrofes naturais a não pararem, é uma atrás da outra, em qualquer parte do globo e, não sendo a última situação a lamentar, as guerras e os ‘shootings’ parece que ninguém tem verdadeira vontade em os eliminar…
Mas, se procuramos ir um pouco mais fundo na compreensão de tudo o que está a acontecer no Mundo e se tentamos perceber o que se passa a níveis mais privados das situações que levam a tomadas de decisão sobre políticas, supostamente, para bem dos todos os seres humanos, homens e mulheres, acabamos por descobrir que, naqueles que têm autoridade e poder, existem nos seus raciocínios intenções indignas bem camufladas e sentimentos deveras torpes nos seus corações. Encontramos até, sem grande surpresa, critérios de actuação que são muito diferentes daqueles que são expostos nas grandes Assembleias. Somos confrontados, ao fim e ao cabo, com conivências, pactos e ‘vetos’ escandalosos, que bradam aos Céus.
E não só. São os mais pobres, os mais frágeis e os mais vulneráveis que, no seu clamor angustiante, manifestam que algo de muito grave se passa na Humanidade contemporânea. A ‘alma’ da Comunidade humana está ferida, geme cheia de dores e grita para uma maior Justiça, Solidariedade e Harmonia entre Povos e Nações.
Acrescentaria ainda que, mesmo na sociedade da abundância dos países mais prósperos do mundo. o G7, a dita ‘doença do mal-estar’, a ‘angústia existencial’ e ‘o desespero’ crescem exponencialmente. Certificam-no as melancolias, as depressões, as neuroses, os desequilíbrios psicoafectivos, os suicídios, as adições a fármacos, à electrónica, à diversão, ao sexo, ao álcool, à droga, à violência… de tantos e tantos.
Mesmo os mais ricos e abastados exteriormente, afinal, também sofrem da ‘alma’… Eles experimentam, dentro da ideologia do sistema, a superficialidade, a tristeza e o vazio interior.
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O Evangelho apresenta-nos um outro pensamento sobre a existência humana, que acaba por se transformar, ao mesmo tempo, numa resposta ao ‘mal estar’ do Mundo, tecnologicamente tão desenvolvido. Jesus Cristo neste Vigésimo Segundo Domingo do Ano Litúrgico proclama dois critérios de vida completamente opostos à à mentalidade que nos circunda, sobretudo entre aqueles chamados ao exercício da autoridade.
Chefes de Estado e Primeiros Ministros lutam, por vezes teimosa e muito subrepticiamente, pelo ser o primeiro, na política mundial. Esta mentalidade é dominante, nos encontros de líderes, pequenos ou grandes, dum continente a outro. E, às vezes, esse pavoneio chega mesmo até ao ridículo. Termina sempre, na prática, com soluções adiadas e a deixar continuar o sofrimento de muitos.
Porém, o Senhor é claro. O verdadeiro serviço dos outros, o seu governo, passa sempre pela via da humildade, em que também não se escapa a algum sofrimento e contrariedade. Seguramente que não é compatível com a exaltação vaidosa e narcisista e da busca obsessiva dos «primeiros lugares» como faziam os fariseus que convidaram Jesus Cristo para tomar uma refeição. Por isso o Senhor e Mestre, admoestou-os dizendo: «Quando fores convidado…, não tomes o primeiro lugar.» Eis um aviso sem subterfúgios, vigoroso e crítico aos governantes que desejam guiar os destino das nações.
Mas, um segundo critério se revela nesta passagem evangélica: dar sem estar à espera de receber ou de ser recompensado. Diz o Senhor: «Quando ofereceres um almoço…. não convides os teus amigos nem os teus irmãos nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído…».
Esta atitude de estar sempre à espera de receber algo em troca, portanto, nada generosa e pouco desprendida, torna-se, infelizmente, uma constante do nosso viver quotidiano. Pior ainda, quando numa visão macro-cósmica, reparamos que países de grandes posses ou instituições financeiras de enormes recursos que mais parecem estar preocupados em criar dívidas infindáveis nos países em desenvolvimento, para depois, maquiavelicamente, sugar as suas riquezas naturais. Vejamos o que acontece, aqui mesmo perto, o pequeno Timor Lorosae, a tentar defender o seu petróleo, perante o seu vizinho todo poderoso e musculado. Tal David contra o fanfarrão Golias…
O Senhor Jesus vai mais longe e acrescenta, com um aspecto que os humanos têm dificuldade em compreender e, muito mais, em aceitar: «Serás feliz por eles não terem com que retribuir-te…» Palavras que o mesmo Cristo Jesus proclamará de uma maneira ainda mais cristalina: «Há mais alegria em dar que receber…».
A Comunidade Cristã tem de ser mais crítica, forte e corajosa perante o Mundo e a Sociedade em que vivemos.
Luís Sequeira, Sacerdote e antigo Superior da Companhia de Jesus de Macau