Jason Chao*
Em 2014, celebramos o sucesso de acções directas que contribuíram para mudanças políticas em Macau. Em sentido contrário, as acções políticas têm-se mostrado impotentes. A acção directa é definida como “empreender acções imediatas para resolver problemas sociais, ao invés de aguardar que o façam os representantes do Governo” – uma conceptualização breve e fácil de entender com que me deparei na visita a uma exposição de objectos relacionados com a acção directa no Victoria & Albert Museum, em Londres, em Setembro deste ano.
Edifício Sin Fong
Os moradores do edifício Sin Fong levaram à prática a ideia de ocupação das ruas um pouco antes dos manifestantes de Hong Kong. Acredito que por terem ocupado a zona sul da Avenida do Almirante Lacerda, e depois de estarem impedidos de entrar nas suas casas por mais de um ano, os moradores do prédio obtiveram a simpatia pública. Num desenvolvimento dramático dos eventos, a associação de beneficência Tong Sin Tong, conduzida pelo irmão de Chui Sai On, Chui Sai Cheong, e pela associação de conterrâneos de Jiangmen, prometeu publicamente suportar os custos da construção do edifício. Apesar de o público ter ficado chocado com o modo simples e eficaz de resolver o problema com dinheiro, os moradores do Sin Fong mostraram-se satisfeitos e felizes aguardando pela reconstrução. Admito que quem assiste aos noticiários possa ter ficado perturbado com a inconsistência entre o apelo inicial para que o Governo assumisse responsabilidades e dispersão final com a promessa de compensação pelos custos de construção. No entanto, acredito que no mundo das acções directas a adesão a um princípio em particular ou a um conjunto de valores é simplesmente demasiado exigente para aqueles que não são activistas ou políticos. O resultado da ocupação foi certamente um sucesso de um ponto de vista pragmático.
Regime de garantias para os principais cargos
É frequente os activistas e agentes políticos exporem problemas de propostas de lei que aguardam aprovação. A sub-representação da população na Assembleia Legislativa – com menos de metade dos seus membros eleitos directamente – é, por um lado, uma das causas. Mas, ainda assim, se apenas os deputados eleitos pela via directa votassem, o já famoso regime de garantias para os principais cargos teria sido aprovado sem que 20 mil pessoas saíssem para as ruas. Recordando o que sucedeu em Maio, diria que ocorreu uma série de coincidências. O Movimento Girassol, em Taiwan, terá provavelmente revelado aquilo que pode ser alcançado através da acção directa. O jornal Oriental Daily, em Hong Kong, fez manchete com o regime de garantias por várias ocasiões ao longo de três semanas – note-se embora que a sua posição mudou sob influência política. Além disso, várias figuras pró-sistema e excessivamente confiantes fizeram, sucessivamente, declarações disparatadas de apoio à proposta de lei.
A proposta, por si, mostrou-se também bastante problemática. As condições feitas à medida exibiram vergonhosamente a dimensão da ganância dos principais dirigentes do Governo. A imunidade que, por outro lado, “legalizaria” a corrupção, os altos valores de compensação considerados desadequados para a competência dos titulares dos principais cargos e o retomar de uma pensão vitalícia abandonada há vários anos na Administração Pública foram factores que, conjugados, motivaram fortes críticas de diferentes sectores da comunidade com as suas respectivas preocupações.
Pessoalmente, considero que não há forma de assinalar o 15º aniversário da RAEM de forma mais brilhante do que com a grande manifestação de Maio contra o regime de garantias. Poucos terão antecipado tão forte oposição pública a uma proposta legislativa sem impacto directo naqueles que se manifestaram. Sob enorme pressão, Fernando Chui arriscou embaraçar os seus aliados com o anúncio de retirada de proposta.
O referendo civil
Sem a participação de 8688 votantes no referendo civil, a alegação dos apoiantes de Fernando Chui segundo a qual este é “largamente reconhecido pela sociedade” teria permanecido incontestada. Vejo esta votação como uma forma de expressão para a qual dificilmente encontro alternativa mais pacífica. Era difícil imaginar que uma votação sem efeitos legais mas com garantias de fiabilidade e iniciada pela sociedade civil assustasse tanto Fernando Chui e o Governo chinês. Imagino que temessem que a oportunidade de votar em eleições simuladas, sendo que à maior parte dos cidadãos é negado o direito de participar em eleições reais, estimulasse a vontade da população em obter direito de voto.
Tanto quanto sei, os profissionais da área do Direito ficaram revoltados com a não-decisão a que chegou o Tribunal de Última Instância numa questão de alta sensibilidade política e com o subsequente abuso de poderes descontrolado por parte das autoridades. Ao desafiarmos corajosamente ordens prejudiciais ao Estado de Direito, foi protegida a privacidade dos participantes no referendo civil. O sucesso do referendo civil deve-se àqueles que nele participaram na circunstância de uma série de tentativas por parte das autoridades de espiar a lista dos nomes de quem votou.
Violência doméstica como crime público
No ano passado, a posição do Governo sobre a violência doméstica mantinha-se muito forte a favor da classificação de crime semi-público em nome da “harmonia familiar”. Tanto a polícia como os procuradores do Ministério Público se mostraram aparentemente relutantes em comprometerem-se com uma intervenção obrigatória para castigos corporais “leves e pouco frequentes” largamento infligidos a crianças por pais fieis à tradição chinesa. Os esforços incansáveis do grupo pela classificação da violência doméstica como crime público em consciencializar a população e reportar a situação às Nações Unidas, em Genebra, acabaram por forçar o Governo a comprometer-se com uma lei que assegure melhor protecção dos direitos humanos.
Devo criticar o facto de a proposta falhar em garantir igualdade para a comunidade LGBT. Porém, de acordo com a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Justiça, o âmbito de protecção da lei irá abranger casais heterossexuais não casados ou em união de facto. É algo de realmente raro que grupos da sociedade civil isoladamente sejam capazes de obrigar o Governo a rever radicalmente uma proposta de lei.
Serviços médicos no exterior para Chan Pou U
Chan Pou U, um estudante que sofria com dores devido a uma fractura no cóccix, viu ser-lhe recusado reencaminhamento depois de não ter reagido a tratamentos administrados por médicos locais ao longo de anos. Em vez disso, os médicos locais aconselharam Pou U a consultar um psiquiatra devido à dor que este sentia. Com o apoio da Consciência de Macau, o caso de Pou U foi tornado público e foi angariada uma centena de milhares de patacas, permitindo que Pou U fosse admitido no Queen Mary Hospital para mais exames. Os Serviços de Saúde de Macau acabariam por convidar médicos do QMH a observarem Pou U e, surpreendentemente, aprovaram o seu tratamento em Hong Kong. Trata-se de mais um caso raro em que as autoridades de saúde locais foram desafiadas com sucesso, naturalmente, ao fazer-se intervir uma autoridade médica de Hong Kong. Sem a simpatia daqueles que participaram na campanha de donativos, que na sua maioria não conheciam Pou U, não teria havido para este uma réstia de esperança.
Trabalhemos em prol de uma sociedade civil dinâmica
Assistimos a situações bem sucedidas de acção directa em lugar da acção política este ano. Não sabemos se este padrão se irá manter nos anos que se seguem. Espero que os intelectuais e activistas envolvam o público de forma mais activa na política e nos assuntos comunitários para que a sociedade civil possa desenvolver-se.
*Activista e líder do grupo Consciência de Macau