Quando pensamos em missões espaciais, temos tendência a pensar imediatamente em sofisticadas sondas a analisar outros planetas do Sistema Solar. No entanto, algumas das mais recentes novidades no sector do espaço têm vindo da nossa vizinhança. De facto, a órbita terrestre tem assistido a um constante fervilhar de actividades que se parece acentuar cada vez mais!
Ciência em Órbita da Terra
A órbita terrestre é actualmente o palco de numerosas actividades científicas e comerciais, com um enorme destaque para o uso de satélites. Segundo dados das Nações Unidas em Janeiro de 2021 tínhamos cerca de 7400 satélites em órbita, estando apenas cerca de metade deles ainda activos. Apesar da pandemia, o ano de 2020 trouxe um novo recorde de lançamentos com a adição de 1283 novos satélites, e uma importância crescente dos cubesats Estes representam a nova geração de satélites de pequena dimensão, permitindo assim a colocação simultânea de várias unidades em órbita com um só lançamento.
Neste campo, Macau começa também a marcar presença posicionando-se simultaneamente em duas frentes. Por um lado, a Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST) associou-se às escolas de Macau numa competição de ciência popular que resultará no lançamento de um pequeno satélite. As 18 equipas que competiram na final apresentaram propostas de projectos desenvolvidas pelos alunos e focadas em áreas diversas, incluindo física, astronomia, biologia, meteorologia, energia, transportes ou protecção ambiental. O satélite irá desenvolver o projecto selecionado como vencedor. Por outro lado, e noutra escala, está confirmado o envio de uma constelação de satélites científicos de Macau nos próximos anos, que irão ter como principal foco o estudo do campo magnético terrestre. Estes novos dados estão também ligados a facetas mais aplicadas, incluindo a melhoria de sistemas de mapeamento, posicionamento, e de comunicações. Associado ao envio e análise de dados destes satélites, está o Centro de Dados de Satélites de Macau. Esta nova e sofisticada adição para o Laboratório de Referência Estatal para as Ciências Lunares e Planetárias está em fase de conclusão, prevendo-se a sua inauguração oficial para os próximos meses. A sua instalação no campus da MUST, em pleno Cotai e paredes-meias com os maiores casinos do território, tem um simbolismo adicional. Afinal de contas a tónica oficial em Macau é na aposta de projectos inovadores, como este, que contribuam para a diversificação da economia, e para a redução do peso do sector do jogo na nossa RAEM. É também mais um passo na afirmação de um cluster espacial em Macau.
Estações Espaciais
A gama de actividades científicas desenvolvida por satélites é relativamente limitada estando tradicionalmente ligada a processos mais passivos, como a recolha de imagens e medição de parâmetros variados, ou a actividades de detecção remota. Para experiências mais elaboradas, a actual plataforma por excelência é a estação espacial internacional (ISS). A ISS tem um papel vital ao assegurar a possibilidade de presença humana regular no espaço por períodos prolongados de tempo. Este tipo de plataforma e a ciência que desenvolve são essenciais para a preparação de uma eventual base lunar, ou de uma missão tripulada a Marte.
A China, infelizmente excluída por motivos políticos de ter acesso à ISS, acabou por optar por desenvolver e lançar a sua própria estação espacial. A Tiangong, cujos primeiros módulos Tianhe foram lançados em Abril deste ano, está agora operacional e acolhe desde Junho a sua primeira tripulação. A estação irá expandir-se consideravelmente em 2022, o que lhe permitirá acolher milhares de experiências científicas de investigadores de todo mundo, tal como divulgado na semana passada. Também aqui, Macau poderá beneficiar da sua ligação privilegiada à Agência Espacial Chinesa.
As Novas Fronteiras do Mediatismo?
Convém notar que as viagens humanas ao espaço não se restringem apenas ao uso de estações espaciais. No ano em que celebramos o 60º aniversário da histórica missão da Vostok 1, em que Yuri Gagarin se tornou o primeiro humano no espaço, o tópico está novamente na berlinda. Esta visibilidade adicional deve-se curiosamente a mediáticas viagens de curta duração e à expansão deste sector para áreas não científicas.
Muitos lembrar-se-ão do impressionante salto espacial de Felix Baumgartner em 2016. Patrocinado por uma popular bebida energética, o evento foi apresentado como uma nova fronteira para os desportos radicais. A arriscada façanha não parece ter trazido um grande impacto, para além de alguns minutos de publicidade para o patrocinador, mediatismo para o austríaco, e um record no Guiness.
À semelhança deste caso, as recentes viagens espaciais de Richard Branson e Jeff Bezos foram também bastante curtas, e bastante mediatizadas. Há quem coloque Branson e Bezos no mesmo saco que Baumgartner e veja as suas iniciativas concorrentes como reflexo de uma sede insaciável de protagonismo, ou até de uma vã necessidade de terem acesso a algo de verdadeiramente exclusivo e especial graças às suas fortunas. Na realidade, a aposta de ambos, bem como a do igualmente mediático Elon Musk, está a abrir o acesso ao espaço ao sector privado e a (re)lançar o sector do turismo espacial. Esta abertura é vista como essencial para optimização de processos, abaixamento de custos, e melhoria das tecnologias.
O acesso ao espaço deverá manter-se uma actividade reservada a milionários e bilionários no futuro imediato, mas estes são os primeiros passos para a sua democratização. As próximas décadas revelarão se o turismo espacial irá seguir os passos da aviação comercial que todos conhecemos, ou se iremos ter uma repetição da experiência falhada da aviação supersónica com o desaparecido Concorde.
André Antunes
Cientista