A respeito de Singapura, o saudoso monsenhor Manuel Teixeira, incansável compilador da memória lusitana no Oriente, com a exuberância e o exagero inerentes à sua personalidade, dizia-nos que “os apelidos Sousa e Pereira predominam por tal forma que se diz que, atirando-se uma pedra ao ar nesta cidade, irá cair sobre um Sousa ou um Pereira”. Na toponímia da cidade-estado há, de facto, a De Sousa Street, em memória do abastado comerciante Manuel de Sousa, detentor da empresa Aitken, De Sousa & Co, isto para além das conhecidas D’Almeida Street e Almeida Road, e as menos calcorreadas Desker Road (em nome do malaqueiro André Filipe Desker) e a Ennes Street, em memória do bispo de Macau, Dom Bernardo de Sousa Enes.
Outro dos notáveis de Singapura foi António Feliciano Marques Pereira, cônsul de Portugal no Sião, que, em 1875, ficou também com as dependências consulares de Malaca e Singapura. Chegou a Macau em 1859, onde se casou e se viria a notabilizar como escritor e investigador histórico. Apaixonado pelo jornalismo, que exercera em Lisboa, foi redactor do Boletim do Governo de Macau, de 1860 a 1862, e fundou e dirigiu o semanário Ta-ssi-yang-kuo, que se publicou em Macau de Outubro de 1863 a Abril de 1866. Foi autor de vários livros e, a nível administrativo, exerceu o cargo de superintendente da emigração chinesa e de procurador de assuntos sínicos. Foi ainda nomeado secretário da missão diplomática à corte de Pequim, da qual era chefe o governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães, e, dois anos mais tarde, deslocar-se-ia de novo a Pequim, desta feita numa missão chefiada pelo governador Coelho do Amaral. Escreve a seu respeito o padre Manuel Teixeira: “Em 1869, demitiu-se do cargo de procurador de negócios sínicos para se defender das graves acusações que lhe eram assacadas pelo redactor do Echo do Povo.”
Outro diplomata com ligações a Macau foi Melécio Joaquim Vieira Ribeiro, que era, aliás, “filho da terra”. Nascido em 1839, Melécio exercia as funções consulares de Portugal em Saigão quando, em Abril de 1878, “o cônsul do Sião e dos Estreitos de Singapura e Malaca e suas dependências, António Feliciano Marques Pereira, declarou que, tendo de ir gozar licença durante seis meses, Melécio Ribeiro continuava encarregado do consulado geral dos estreitos e Joaquim Vicente de Almeida, do consulado de Sião”.
Este rodar de cadeiras nos cargos diplomáticas está bem patente na correspondência recebida das colónias e compilada no Fundo do Conselho Ultramarino, onde se encontra reunida documentação de várias instituições da administração central que superintenderam na gestão do império colonial português. Assim: dá-nos conta da “necessidade de um agente consular em Singapura”, em 1834; da “transferência do consulado português no Sião para Singapura”, em 1870; da “nomeação do cônsul de Portugal no Sião”, em 1873; e da “viagem do governador de Macau a Saigão, Banguecoque e Singapura”, em 1878.
Também houve quem a Singapura fosse apenas para ser sepultado. Foi o caso de Januário Agostinho da Silva, reputado comerciante da praça de Macau que integrava o governo aquando das lutas entre absolutistas e liberais, tomando claro partido pelos primeiros. Em 1835, partiu de Macau para Bombaim no brigue Caçador, de que era proprietário e capitão. Faleceu no regresso, estando hoje sepultado no Fort Canning.
Cláudio António da Silva é outro dos notáveis filhos da terra do Estreito. Nascido em Macau em 1860, ocupou o cargo de director do jornal Singapore Free Press, superintendeu a imprensa nacional do governo local ao longo de quase uma década e ainda dirigiu a gráfica C.A. Ribeiro & Co. Ltd. O seu quarto filho, Cláudio Henrique da Silva, era considerado um dos melhores advogados da cidade, tendo sido várias vezes membro do Conselho Legislativo, comissário municipal e ocupado cargos de relevância noutras instituições.
Segundo nos informa Manuel Teixeira os restantes filhos de Cláudio António da Silva também se distinguiram: Leonardo Sato formou-se em medicina, exercendo a sua profissão como médico do governo, João Lourenço foi superintendente dos matadouros municipais, Áurea Melinda foi uma das fundadoras do Movimento da Juventude Eurasiana e Francisco da Silva trabalhou na base naval. Conclui o monsenhor: “Os Silvas em Singapura elevaram-se a altas posições, honrando aquele que lhes deu o nome.”
Joaquim Magalhães de Castro, escritor e investigador da expansão portuguesa. Escreve neste espaço às quartas-feiras.