Celebramos, neste Domingo, Deus, Santíssima Trindade, isto é, Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Três Pessoas num só Deus. Mas, ao proclamar ou a querer proclamar a existência de Deus e de um Deus que permeia todo o nosso ser e existir, recordo com grande veemência a experiência de S. Paulo, no Areópago de Atenas. Ele que, num primeiro momento, desejava falar sobre «o Deus Desconhecido» que, ali, era venerado com uma estátua. Ele que, num segundo momento, ao anunciar Jesus Cristo e Jesus Cristo Crucificado, teve como resposta uma reacção nada simpática dos seus ouvintes em que «uns começaram a troçar dele, enquanto outros disseram: ‘Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez’ Recordo este facto, quando, cada vez mais, se constata que, na Comunidade tradicionalmente católica, falando português, Deus mais parece um «Deus Desconhecido» e que Jesus Cristo é simplesmente um ignorado ou os seus ensinamentos não têm qualquer influência na vida das pessoas.
Esta situação justificará o apelo dos últimos Papas para uma ‘Nova Evangelização’. E não só! Apareceram no seio da Igreja, nestas últimas décadas, novos movimentos laicais e comunidades religiosas, em que é dada maior importância à formação cristã dos adultos baptizados, mas não praticantes; maior atenção à vida de fé em família; maior acompanhamento aos adolescentes e jovens; e, por fim, maior dinamismo, criatividade e coragem em formar pequenas comunidades quer na paróquia quer no quarteirão ou na rua onde vivem.
Ao mesmo tempo, ao fazê-lo procuram que, em todas estas circunstâncias, a Sagrada Escritura esteja na mão de todos, miúdos ou graúdos; estão mais atentos a que seja utilizada uma linguagem mais simples e acessível a todos e não ‘ex cathedra’; dão maior atenção ao trato interpessoal e à conversa espiritual; e, finalmente, manifestam maior cuidado e preocupação em ajudar as pessoas no gosto pelo silêncio, recolhimento e oração… para chegar ao encontro pessoal com Deus.
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A ‘Questão de Deus’ pode ser abordada e foi, ao longo da história da Igreja, abordada de diversas perpectivas, mas sempre no sentido de melhor compreender a Deus, «o Deus que está no meio de nós»
Motivado pelos meus estudos filosóficos e guiado por um professor que tive, na verdade, sempre bastante livre, original e corajoso de pensamento, creio ter, por isso. um modo um pouco diferente de encarar ‘a Questão de Deus’ ou a compreensão da Sua existência.
Uns são inclinados a compreender a existência de Deus por aquela que eu denomino ‘a via criativa’. Chegam a Deus pela contemplação da acção do mesmo Deus, Criador da natureza, do cosmos, do universo. A Harmonia, a Beleza e a Perfeição são deslumbrantes… só em Deus todo poderoso e Senhor se pode compreender tal maravilha.
Outros fazem o mesmo percurso pela ‘via intelectiva’ ou racional, com as clássicas ‘vias de São Tomás’. O santo dominicano de Aquino, de uma maneira genial e única, utilizou a lógica discursiva do pensamento humano como instrumento capaz de abrir o caminho à compreensão da Verdade da existência de Deus. No Universo, terá que existir um ‘primeiro’ Motor, uma primeira origem do Movimento…
Aqui entra, então, aquela outra modalidade de ‘via’ que eu me atrevo a chamar de ‘a via afectiva’. Eis uma terceira maneira de encarar a problemática sobre a existência Deus. O coração humano em grande aflição grita por Deus, tem «sede» de Deus. Já Santo Agostinho, outro grande génio da História da Humanidade, afirmava nas suas bem conhecidas ‘Confissões’: ‘O coração humano não pode descansar senão em Deus’.
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A Soren Kierkegaard, filósofo existencialista do século XIX, nascido na Dinamarca, se deve a abertura do pensamento humano a um novo horizonte de possibilidade de conhecer e reconhecer tanto «o Deus Desconhecido» como «o Deus que está no meio de nós», que habita no mais íntimo de nós mesmos, no mais profundo do nosso coração.
Sendo profundamente religioso, com um conhecimento notável da Sagrada Escritura, ele lança-se corajosamente numa reflexão rigorosa e interdisciplinar sobre realidades candentes da vida humana, como por exemplo ‘A Angústia’, ‘ O Desespero, a doença que leva à Morte’… O grande pensador nórdico analisa essas experiências dolorosíssimas do coração humano, mas de forma muito completa, tocando os aspectos psicológico, teológico e filosófico. Concluindo que só em Deus o coração humano, no seu mais íntimo e recôndito, pode descansar…
Aprendi e, como sacerdote, confirmo que a Dor da Angústia Humana abre-nos, num caminho de humildade, perseverança e coragem, à Experiência da Existência de Deus e mesmo até à Experiência da Intimidade com Deus.
Luís Sequeira, Sacerdote e Antigo Superior da Companhia de Jesus em Macau. Escreve neste espaço uma vez por semana, às sextas-feiras.