A cultura no seu sentido lato é algo que as pessoas herdam, usam, transformam, adicionam e transmitem aos seus seguidores. É representada, justamente, pela capacidade que temos de envolver um conjunto de valores e/ou significados partilhados que valorizam o funcionamento de uma comunidade enquanto sistema cultural, permitindo aos indivíduos a sua utilização e a sua integração nas práticas do quotidiano.
O conceito de hibridismo cultural que está hoje tão presente na agenda dos estudos pós-modernistas, assenta a sua lupa em qualquer lugar do mundo devido aos processos de desterritorialização que os movimentos populacionais e das diásporas produzem, constituindo um instrumento de análise para se perceber a articulação entre diferenças e semelhanças, rupturas, deslocações e reinvenções, num quadro onde coexistem múltiplas lógicas de percepção e de interpretação. Neste sentido, pode ser entendido como parte de um vocabulário que abrange todo o século XX e se emancipa no século XXI ajudando a revelar a face humana da globalização.
Deste modo, são múltiplas as acepções que passam pela sua caracterização como um discurso que viaja nas novas condições globais capaz de pressionar trajectórias e fluxos das populações, como uma causa para renovar e reinventar a tradição e deslocá-la para uma nova realidade, contribuindo deste modo para a formação de novas identidades, onde as inovações da linguagem e dos modos de vida estão associadas à vasta amplitude do fenómeno social e cultural que envolve misturas e hibridização, ou seja mestiçagens.
Por outro lado, a perspectiva da antropologia transnacional, tem proporcionado a valoração dos estudos de interconexões culturais no espaço e no tempo, bem como a actual reorganização da diversidade cultural no mundo. A noção de fluxo cultural sugere a utilização desta formula como metáfora cultural, podendo ser observado como gerador de infinitas deslocações no tempo e da alteração do seu espaço de acolhimento.
Neste pressuposto a identidade macaense é das mais ilustrativas deste fenómeno, dado que, toda ela se formula e se reformula entre um passado e um presente condicionado a adaptações circunstanciais como, simultaneamente, se desdobra em várias latitudes da sua diáspora. O tempo e o espaço são as grandes condicionantes do seu fluxo cultural.
Assim sendo, a questão do contacto cultural emergente da globalização, acresce ao hibridismo uma noção de mestiçagem ou de sincretismo, podendo admitir-se neste caso, que as estruturas das diferenças e desigualdades recriam a sua própria cultura. Neste ponto, interessa realçar o papel da dinâmica da mistura como catalisador de vitalidade e de criatividade das culturas mestiças.
Sem a pretensão de generalizar, podemos até admitir que em determinados períodos quase todas as culturas foram mestiças, umas mais do que outras, na medida em que os fluxos culturais se encontraram em determinadas condições para lhes conferir as diferenças históricas, ainda que elas possam ter sido derivadas de outras convergências. É por isso, que em algum momento da história, nós ou os nossos antepassados, podemos ter passado pela fórmula da mestiçagem, só que, não fomos envolvidos nesse processo eternamente, nem o fomos necessariamente no mesmo grau.
A actual dinâmica que Macau observa no seu período da pós transição, traz de novo o nosso olhar para um figurino que ilustra a face deste fenómeno na fórmula como Macau se reinventa no mundo global permitindo a assunção de culturas hibridas e de miscigenação que lhe vai conferindo um elevado grau de pluralidade e diversidade cultural.
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(o texto não segue o acordo ortográfico em vigor)
Carlos Piteira
Investigador do Instituto do Oriente
Docente do Instituto Superior de Ciências Socias e Politicas / Universidade de Lisb