A simbologia do Cavalo na cultura chinesa


Geng-wu* foi um dia de sorte. Selecionamos os nossos cavalos

Dia Auspicioso, em Livro das Odes

 

Rui Rocha*

 

O Cavalo possui um relevante significado simbólico não apenas na cultura chinesa, mas também na história cultural da humanidade. Apenas o Cão poderá rivalizar nos tempos modernos com o Cavalo na sua íntima e preciosa relação com o ser humano.

Na verdade, o Cavalo foi sempre o fiel, diligente, corajoso, inteligente e leal companheiro do homem, tanto na paz, como na guerra. Na paz foi o animal de tração, por excelência, para transporte de pessoas e bens. Bastará recordar na história da China o papel central que teve o Cavalo na antiga Tea-Horse Road que ligava a província de Yunnan, a partir da antiga cidade de Dali, à India, à Birmânia (via Índia) ao Centro da China (via Sichuan) e ao Tibete. Esta rota de comércio teve o seu inicío no séc VI e foi primeiramente designada por Rota da Seda do Sul. O percurso era feito a cavalo, sendo transportados seda, jade, lã, peles, tabaco, sal, prata e chá. Posteriormente foi rebatizada como Tea Horse Road (chá mǎ gǔdào 马古) quando o chá, especialmente o chá Pǔ‘ěr (普洱茶,Po Lei, em cantonês) passou a ser a mercadoria mais procurada nos diferentes destinos de passagem e de chegada.

Segundo Sian Yan Yun, “(…) this road carried much more than tea; it was as much a cultural thoroughfare, blending ethnic groups, art, music, religion and folklore”.

Tratava-se de uma rota de comércio muito árdua, principalmente o percurso Yunnan-Sichuan-Tibete, que muitas vezes foi designado por “Rota do Céu”, pois de acordo com uma lenda Kham (da região do Tibete), a rota do céu é a passagem por onde as divindades tibetanas e Tsempo, o líder religioso mais elevado do reino de Tubo (séc. II a.C.), descem à terra e sobem ao céu. O Cavalo teve neste cenário um papel decisivo de ligação e de transporte de mercadorias, através de troços perigosos, acidentados e a elevadas altitudes, e sem ele não teria sido possível o comércio.

Na paz o Cavalo foi também o veículo de mensageiros e de mensagens. Ele é, para a cultura da China, o animal que contribuiu para a introdução do Budismo na China. Ling, e também Cochini, referem a este propósito que o Imperador Hàn Míngdì (汉明帝, 57-75) da dinastia Han do Leste enviou uma delegação de 18 pessoas à Índia com o objetivo de recolher informação sobre o pensamento budista.

No regresso, acompanharam-na dois eminentes monges budistas, Dharmaraka e Kaśyapa Mātaga, trazendo algumas imagens de Budas e sutras budistas transportados em cavalos brancos. No ano de 68, o imperador mandou edificar na capital do império, Luoyang (província de Henan), o primeiro templo budista que designou por Templo do Cavalo Branco (马寺: Báimǎ), em reconhecimento daqueles cavalos que transportaram as imagens e os sutras budistas.

Na guerra, e ao longo da história militar da China, os cavalos são, como disse Ma Yuan (14 a.C- 49), um general Han, “as fundações do poder militar, um grande recurso do Estado que, se faltarem, o Estado cairá”. De facto, sem cavalos adequados para incursões militares nas estepes ocidentais e orientais e na Ásia Central, teria sido impossível à China construir o seu grande império e manter o poderio militar para combater os inimigos externos. Os cavalos foram, inclusivamente, símbolos políticos sob a forma de homenagens e de oferendas do império chinês, designadamente no período da dinastia Tang, quando o imperador chinês ofereceu vários cavalos a Bayanchur Khan (747-759), imperador do império Uighur, por ter ajudado a China a derrotar a Rebelião de An Lushan (em 763), dos Tibetanos (em 794) e outras.

Para a cultura chinesa o Cavalo simboliza a competência/talento/energia realizadora e também a santidade. A expressão chinesa diānlǐmǎ (千里馬), literalmente um cavalo capaz de galopar mil li (500 km), é metaforicamente utilizada designar uma pessoa extraordinariamente talentosa e tal imagem foi extraída do livro Estratégias dos Reinos Combatentes (Zhàn Guó Cè, : 3º – 1º séc. A.C.).

O Cavalo, a par do Dragão, simboliza igualmente a espiritualidade. Na tradição Indiana é dito que Buda deixou o mundo físico num cavalo branco, da mesma forma que na tradição budista é muitas vezes representado um cavalo alado branco carregando os discursos e sermões de Buda – a Tripitaka (Sūtra Piaka; a Vinaya Piaka, Abhidharma Piaka), simbolizando a pureza e a lealdade.

Também na pintura clássica chinesa o Cavalo é um tema recorrente. Han Gan (韩干 706-783), um famoso pintor da dinastia Tang, Zhao Mengfu (赵孟頫, 1254-1322), Xu Beihong (徐悲鸿, 1895-1953) e tantos outros pintores tiveram como tema favorito o Cavalo. Na dinastia Tang o polo equestre foi o desporto favorito, tanto de altos dignatários imperiais como de plebeus.

Como curiosidade, acrescente-se que a Agência Nacional de Turismo da China é simbolizada no seu logotipo pelo Cavalo.

Seguindo a tradição chinesa, e utilizando uma expressão auspiciosa de melhores votos para o ano novo chinês, desejo um Ano Novo do Cavalo com um espírito enérgico zhù nǐ zài xīn de yī nián lǐ lóngmǎ jīngshén (祝你在新的一年里龙马精神), em que lóngmǎ jīngshén (龙马精神) significa literalmente “espírito vigoroso do dragão e do cavalo”.

 

(*) A hora wu, na mitologia chinesa, é o período de troca yang-yin em que os cavalos então no auge do seu vigor.

 

*Director do Departamento de Língua Portuguesa e Cultura dos Países de Língua Portuguesa da Universidade Cidade de Macau

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