Em semana marcada pelas celebrações do Festival da Lua, trago-vos hoje um tópico ligado a outras luas e ao crescente aumento da sua relevância…
No trilho da água
Apesar de renovados esforços na exploração do nosso sistema solar, a Terra permanece, por enquanto, o único planeta que conhecemos com Vida. Durante muitos anos, o nosso planeta foi visto como tendo condições únicas e excepcionais, sem paralelo noutros pontos do sistema solar, e que seriam essenciais para o aparecimento e evolução da Vida. Um dos factores mais importantes seria a existência de água líquida em abundância. A vida, tal como a conhecemos, não existe sem acesso a água, pelo que vários investigadores defendem que para encontrarmos possível vida temos que seguir o seu trilho.
Esta necessidade vital, condicionaria assim a procura de vida apenas a certas partes do sistema solar. Em relação à capacidade de ter água no estado líquido, planetas demasiado próximos do Sol seriam demasiado quentes (e a água rapidamente iria evaporar), enquanto que aqueles que estavam muito afastados seriam demasiado frios (estando toda a água sob a forma de gelo). A Terra estaria à distância ideal, nem muito longe, nem muito perto, nem muito quente, nem muito fria. Esta zona intermédia, é também conhecida como zona “Goldilocks”, em homenagem à personagem do famoso conto infantil “Os três ursos”, creditado ao poeta inglês Robert Southey, e publicado em 1837.
Estudos aprofundados das luas de Saturno e Júpiter trouxeram-nos uma grande surpresa e uma pequena revolução nesta perspectiva. A enorme força do campo gravitacional destes planetas induz um efeito semelhante a marés de escala global, gerando fricção considerável que aquece o interior das luas e é responsável por sustentar um elevado nível de actividade interna. No caso de Io, isto traduz-se num intenso vulcanismo à base de enxofre, e constante renovação da superfície desta exuberante lua de Júpiter. Já no caso das luas geladas, o aumento de temperatura será responsável pela formação de extensos oceanos sob uma grande camada de gelo.
Europa, Encélado, e não só!
Os casos mais mediáticos são os de Europa (lua de Júpiter) e Encélado (lua de Saturno), visto que ambas são aparentemente dotadas de oceanos com uma escala global.
Europa, é pouco menor que a nossa lua, mas tem um volume de água líquida estimado cerca de duas vezes superior ao do nosso planeta. A superfície gelada de Europa não é homogénea, tendo vastas extensões brancas (compostas por gelo de água), interrompidos por estrias e rachas recorrentes que contêm depósitos de sais que lhes acabam por conferir uma cor mais acastanhada.
Apesar de dever o seu nome a um gigante da mitologia grega, Encélado é bem menor que Europa (tem apenas 1/7 da dimensão da nossa lua). No entanto, esta lua compensa claramente com a sua inesperada exuberância. Encélado tem em várias faixas, no seu polo sul, proeminentes geisers gigantescos ou plumas que projectam água do seu oceano para o espaço. Parte deste material é incorporado num dos anéis de Saturno, sendo que Encélado é o principal contribuinte para o anel E, onde esta lua orbita. Recentemente foram identificadas também potenciais plumas em Europa.
Em relação às condições existentes nos oceanos destas luas, subsistem ainda muitas incógnitas… Pontos assentes são a existência de sais, pressões e profundidades consideráveis (que poderão exceder os 25 km), e actividade hidrotermal em algumas regiões dos seus fundos marinhos, associado a temperaturas mais elevadas (que poderão ultrapassar os 90°C). Espera-se que futuras missões nos consigam trazer mais informações sobre a química destes oceanos, bem como informações adicionais sobre a possível existência de Vida.
A componente oceânica destas luas é tão importante, e tão pronunciada, que levou à criação do termo mundos oceânicos, para os agrupar. Para além de Europa e Encélado temos um número cada vez maior de corpos com água líquida, espalhados por diferentes partes do sistema solar: Júpiter (as luas Ganimedes e Calisto), Saturno (as luas Titã, Dione, e Mimas), Neptuno (a lua Tritão), ou até os planetas-anões Plutão e Ceres. Como vemos, a Terra perde assim quaisquer pretensões a um estatuto especial como único ponto do sistema solar com água.
O próximo grande passo
Marte está certamente no centro das atenções sob o ponto de vista de missões actuais, bem como de planos de recolha de amostras e procura de indícios da existência de vida passada ou presente. No entanto, é igualmente claro que os próximos grandes passos da exploração espacial e da Astrobiologia serão dados nestas luas geladas do sistema solar e nos seus oceanos.
A confirmar esta nova aposta está a missão JUICE (Jupiter Icy Moon Explorer), a ser lançada em 2022 pela ESA, e a missão “Europa Clipper”, a ser lançada em 2024 pela NASA. A China também está empenhada na exploração de Júpiter e Saturno e das suas luas, pelo que se esperam para breve mais informações sobre a sua missão “Gan De”. Com lançamento previsto para 2029, sabe-se que poderá incluir uma possível primeira alunagem numa destas luas geladas.
André Antunes
Cientista